segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Manoel & Lucrécio

 

O poeta-filósofo Lucrécio afirmava que a natureza não é só infinita, ela também é diversa. Diverso é tudo aquilo que não pode ser totalizável, isto é,  determinado por uma quantidade .

Por exemplo, quando contamos quantos objetos têm numa caixa, após chegarmos ao último objeto totalizaremos aquela quantidade de coisas por um número que nos dará a conhecer quantos objetos a caixa tinha.

Os homens imaginam o universo como uma caixa semelhante: eles imaginam  o universo como uma caixa que contém uma quantidade infinita de coisas, sendo  a caixa  uma única coisa.

Por isso, diz Lucrécio, a noção de “universo” é equívoca, pois nos leva a crer/imaginar que a unidade contém a pluralidade, tal como uma caixa com as muitas coisas que ela retém dentro dela.

Lucrécio prefere o termo pluriverso: o pluriverso não contém uma diversidade, pois ele é a relação das coisas diversas entre si produzindo uma diversidade sempre aberta e não totalizável.

Às vezes, nós mesmos imaginamos nosso eu como uma caixa que contém ideias, percepções, lembranças, desejos, afetos...Na caixa-eu estaria  nossa identidade retendo-contendo tudo o que vivemos.

Mas Lucrécio ensina que pensar é destotalizar-se: sair da caixa e conectar-se diversamente com o diverso, libertando  o diverso que somos da caixa que,  às vezes, nós mesmos somos para nós mesmos.

O diverso não pode ser contido, pois a essência de todo diverso  é fluir. Ao invés da caixa e coisas fechadas, o pluriverso de Lucrécio é feito de fontes, fluxos, desvios, composições, agenciamentos.

Essa ideia de que somos uma caixa vem do poder-limitador que , para nos limitar a um tamanho menor do que podemos ser, nos inculca a crença de que somos algo que contém uma diversidade de coisas, quando na verdade  somos uma diversidade que sofre contida numa caixa sempre menor do que podemos ser.

O medo, a obediência, a resignação, a superstição, o egoísmo...não estão no  centro de tal caixa, pois  esses aspectos limitadores  são exatamente o contorno da  caixa existencial  que limita e diminui o homem para que ele possa caber nos estreitos limites físicos e cognitivos que o poder dominante o obriga a caber.

São esses limites que secam as fontes, aprisionam os fluxos, reprimem os desvios que poderiam levar à direção nova, enfim, impedem as composições e colocam os limitados em guerra com outros limitados,  cada um lutando para manter seus limites, tanto os indivíduos entre si quanto os Estados.

Porém ,  ampliar fronteiras é aumentar os limites-cercas, muitas mantidas com arame farpado. Assim, lutam os homens por sua servidão como se fosse por sua liberdade.

Mas como ensina o poeta-pensador Manoel de Barros, somente o horizontar-se  conquista a paz e nos desabre,  por dentro e por fora.


"Com Epicuro e Lucrécio começam os verdadeiros atos de nobreza do pluralismo em filosofia."(Deleuze)





É uma ilusão profunda e ingênua imaginar que "o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo". A hiena é inimiga do leão e o odeia, só por isso ela seria nossa amiga? Como ensina Espinosa, o ódio não une ninguém. O que une verdadeiramente é o amor à paz e à vida digna. 

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