A origem do carnaval se inspira em Dioniso . Porém, segundo Pierre Vernant , não é adequada a expressão “Dioniso, o deus das
Artes”.
Os homens sempre imaginam
deus como algo distinto de sua obra. “Deus criou o
mundo”, dizem eles.
Mas não é assim o modo
como os gregos , povo pensador e poeta, viam
os deuses.
Eros não criou o amor,
tampouco Eros existia antes de existir o amor: Eros é o Amor, o
Amor em seus vários sentidos, incluindo sentidos ainda a serem criados.
Dioniso não criou a arte
, Dioniso é a arte em suas mais diversas
expressões, inclusive a arte de existir enquanto
“poética da existência/resistência”, como ensinou Foucault.
Antes de existir a arte,
portanto, não existia Dioniso: ele é, ao mesmo tempo, o produtor e sua obra.
Assim, em vez de
“divindade”, o nome que melhor traduz essa capacidade criativa é: Potência. O conhecimento, o amor , as
artes...são Potências da Vida.
A palavra “potência” é irmã da palavra
“possibilidade”, ambas vêm de uma
palavra mais antiga significando “capacidade de criar”. É por isso que se diz: enquanto houver vida, há
possibilidade. Pois Vida é Potência: Pura Possibilidade de (auto)criar , ou
(re)criar, a si própria.
E as Fúrias, os Cíclopes e outros seres
destrutivos da mitologia, são também Potências
da Vida? Esses seres não são Potências,
são forças :“forças reativas”, dirá Nietzsche.
Essas forças reativas não
são criadoras de Possibilidades, elas são propagadoras da destrutibilidade (as
Fúrias, por exemplo, nasceram do sangue derramado pela violência).
Porém, às vezes a Potência pode se servir da
destrutibilidade : Zeus, por exemplo, emprega o trovão para destruir as
injustiças; o Amor à liberdade, por sua vez, vale-se da indignação enquanto
força coletiva para destruir a tirania. Como ensina Nietzsche : “Só podemos destruir sendo
criadores”.
As Potências são
originárias, já as forças derivam de uma
reatividade: ao invés de afirmar e criar, as forças reativas apenas negam , destroem , fazem estúpidas guerras, ontem e hoje.
Quando criança , Dioniso
foi despedaçado pelas Fúrias. Mas Zeus
sabia que havia em Dioniso uma parte imortal, uma parte que as forças
ressentidas do ódio não podem destruir, por
mais que tentem.
Essa parte imortal é o
coração. Zeus pegou então o coração de
Dioniso-Criança e dele fez renascer um ser novo ainda mais potente.
Isso explica seu nome:
“Dioniso” = “aquele que nasceu duas vezes.” A primeira vez Dioniso nasceu
chorando, como todo recém-nascido. Mas ao renascer Dioniso ressurgiu com
alegria, afirmando o triunfo da vida frente
a seus carrascos.
O nome latino de Dioniso
é “Baco”, que significa “embriaguez”. Pois mesmo antes de descobrir o
vinho, Dioniso-renascido já se embriagava de vida com a pura água que ele
bebia das fontes .
Ninguém melhor do que o
poeta Baudelaire soube expressar essa Potência
dionisíaca, arte de afirmação da
Vida: “É preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a
escolher. Mas embriaguem-se!”
Embriagar-se assim não é
anestesiar-se , mas intensificar em nós a vida.
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