sábado, 26 de fevereiro de 2022

a origem do carnaval

A origem do carnaval se inspira em Dioniso . Porém, segundo Pierre Vernant , não é   adequada a expressão “Dioniso, o deus das Artes”.  

Os homens sempre imaginam  deus   como algo distinto de sua obra. “Deus criou o mundo”, dizem eles.  

Mas não é assim o modo como os gregos , povo pensador e poeta, viam  os deuses.

Eros não criou o amor, tampouco Eros  existia   antes de existir o amor: Eros é o Amor, o Amor em seus vários sentidos, incluindo sentidos ainda a serem criados.

Dioniso não criou a arte , Dioniso  é a arte em suas mais diversas expressões, inclusive  a arte de existir enquanto “poética da existência/resistência”, como ensinou  Foucault.

Antes de existir a arte, portanto, não existia Dioniso: ele é, ao mesmo tempo, o produtor e sua obra.

Assim, em vez de “divindade”, o nome que melhor traduz essa capacidade criativa é:  Potência. O conhecimento, o amor , as artes...são Potências da Vida.

 A palavra “potência” é irmã da palavra “possibilidade”,  ambas vêm de uma palavra mais antiga significando “capacidade de criar”. É  por isso que se diz: enquanto houver vida, há possibilidade. Pois Vida é Potência: Pura Possibilidade de (auto)criar , ou (re)criar, a si própria.

E  as Fúrias, os Cíclopes e outros seres destrutivos da mitologia,  são também Potências da Vida? Esses seres  não são Potências, são forças :“forças reativas”, dirá Nietzsche.  

Essas forças reativas não são criadoras  de  Possibilidades, elas  são propagadoras da destrutibilidade (as Fúrias, por exemplo, nasceram do sangue derramado pela violência).

 Porém, às vezes a Potência pode se servir da destrutibilidade : Zeus, por exemplo, emprega o trovão para destruir as injustiças; o  Amor à liberdade,  por sua vez, vale-se da indignação enquanto força coletiva para destruir a tirania. Como ensina  Nietzsche : “Só podemos destruir sendo criadores”.

As Potências são originárias, já  as forças derivam de uma reatividade: ao invés de afirmar e criar, as forças reativas apenas negam  , destroem , fazem estúpidas  guerras, ontem e hoje.

Quando criança , Dioniso foi despedaçado pelas Fúrias.  Mas Zeus sabia que havia em Dioniso uma parte imortal, uma parte que as forças ressentidas do ódio não podem  destruir, por mais que tentem.

Essa parte imortal é o coração. Zeus pegou então  o coração de Dioniso-Criança e dele fez renascer um ser novo ainda mais potente.

Isso explica seu nome: “Dioniso” = “aquele que nasceu duas vezes.” A primeira vez Dioniso nasceu chorando, como todo recém-nascido. Mas ao renascer Dioniso ressurgiu com alegria, afirmando o  triunfo da vida frente  a seus carrascos.

O nome latino de Dioniso é “Baco”,  que significa  “embriaguez”. Pois mesmo antes de descobrir o vinho,  Dioniso-renascido  já se embriagava de vida com a pura  água que ele  bebia das fontes .

Ninguém melhor do que o poeta Baudelaire soube expressar essa Potência  dionisíaca, arte  de afirmação da Vida: “É preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!”

Embriagar-se assim não é anestesiar-se , mas intensificar em nós a vida.



 

 


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