quarta-feira, 5 de agosto de 2020

pensar é empoemar-se

Segundo o filósofo Deleuze, e aqui ele segue as lições de Espinosa, o pensar é uma potência imanente a cada um de nós. Porém, essa potência somente é descoberta  e exercida quando algo acontece rasgando os roteiros , desdizendo as cartilhas, pondo sob dúvida costumeiros  credos.  Não que o pensar seja para poucos, porém não são muitos os que são despertados por ele, às vezes mais às custas de derrotas do que de vitórias, mais na dor do que na alegria. Mas quem pelo pensar é desperto, age para que ele desperte também os outros, e isso não se faz sem  alegria.  Manoel de Barros parece concordar com Deleuze quando diz que  o inimigo maior do pensar é o “mesmal”. O “mesmal” nasce da mente acostumada, dos olhos acostumados, enfim, do viver acostumado. O mesmal leva o homem a se  acostumar  não só com os hábitos, mas também com a torpeza que o cerca, com a ignorância que o ameaça e até mesmo com o fascismo que já pisoteou seu jardim e agora bate à porta,  querendo  arrombá-la. Manoel criou um verbo como antídoto para o mesmal: é o “empoemar-se”. O empoemar-se não é exatamente passar o dia lendo ou escrevendo poesia, tampouco entregar-se a narcisismos  líricos. Empoermar-se é mais do que ler versos, empoermar-se também é  educação, ética e ação política. Empoemar é um verbo que se conjuga em várias pessoas , em diversos tempos, em diferentes flexões, sempre como ato libertário. O conhecimento   empoema a mente; o agir  emancipador  empoema a ação; a  música empoema o som; pintar empoema as tintas; a saúde empoema o corpo; o ir adiante empoema os passos; o horizonte empoema a visão; o doar empoema a mão;  enfim,  o pensar empoema  a não resignação. E mesmo a vida talvez  tenha surgido no planeta como  um  empoemar-se da matéria  criando a si mesma como arte, e assim se diferenciando   do mesmal das leis físicas. O empoemar não é definível em palavras apenas , ele se explica sendo produzido  no mundo, na vida : subvertendo o mesmal.


"Não há linha reta, nem nas coisas nem na linguagem. A sintaxe é o conjunto dos desvios necessários criados a cada vez para revelar a vida nas coisas."(Deleuze)


"A reta é uma curva que não sonha.

Aproveito do povo sintaxes tortas."(Manoel de Barros)














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