domingo, 16 de agosto de 2020

multitudo X massa-rebanho

 

Não se deve confundir a ideia de multitudo em Espinosa com as ideias de povo, massa ou nação. “Povo” é uma ideia ligada sobretudo a um território . Pode haver povo sem Estado, como os povos nômades, porém nunca existe povo sem um território ( mesmo que este seja um deserto). A ideia de “povoar”, por exemplo, vem de povo. “Massa” significa um aglomerado passivo que se une mediante algum comportamento padronizável que apaga a singularidade de cada um . Nunca a massa é definida em razão de um território, mas por conta de ela poder ser moldada ou manipulada, como “massa de manobra” ou “massa de consumidores”, por exemplo. “Nação” é a  ideia de um grupo cuja existência depende de um Estado , que passa a ser cultuado como uma espécie de Pastor, sendo a nação o seu rebanho. É por isso que os nômades são povos, porém não são nação, ao passo que  Israel já se considerava nação mesmo antes de ser povo em um território. Assim, não é certo chamar Bolsonaro de “populista” , pois sua prática é  de pastor que governa teológico-politicamente para transformar o povo em rebanho.

A multitudo não se explica por um território , mas por múltiplos e heterogêneos territórios que a compõem, territórios  de diferentes  minorias. Territórios não apenas físicos, como também existenciais, semióticos, culturais. As minorias reunidas não formam uma maioria padrão, pois o agenciamento de minorias  impede que delas se descole algum grupo com pretensão de ser padrão. A multitudo nada tem a ver com uma massa, uma vez que a multitudo não apaga a singularidade e sim a multiplica: multitudo é multiplicação de cada singularidade à enésima potência. A multitudo também nada tem a ver com uma nação enquanto rebanho de um Estado-Pastor. A multitudo , ao contrário, luta sempre para mostrar que sob a pele do Estado-Pastor sempre se escondem lobos.

Nessas pesquisas de opinião favoráveis ao genocida estão sendo ouvidas sobretudo a voz do rebanho-nação, que sempre diz “amém”, e a voz da massa (que não pensa) .  Nessas pesquisas, portanto, não ecoa a voz do povo e muito menos a voz da multitudo.


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