sexta-feira, 7 de agosto de 2020

dia eterno

 

Espinosa foi o primeiro dos Iluministas, embora raramente seja citado nos livros sobre o tema. O Iluminismo é frequentemente associado ao sol :assim como a luz do sol desfaz a escuridão da noite, a luz da razão desfaz a ignorância que obscurece o homem. Mas a luz da razão também pode produzir “sombras”, como viu o filósofo Peter Sloterdijk. As sombras da razão são a tecnocracia, a tirania da opinião nas sociedades de massa, o consumo narcisista, a ideologia do progressismo cientificista, a destruição da natureza, a concentração excludente da riqueza...E é se ocultando atrás dessas sombras, e se alimentando delas, que cresce o monstro do fascismo. Melhor do que ninguém, Sloterdijk faz o diagnóstico dessas “sombras da modernidade” . Porém, o iluminismo de Espinosa escapa a essa forma canônica de compreender o iluminismo, tanto por parte de seus cultuadores quanto de seus iconoclastas, como Sloterdijk. É difícil falar desse iluminismo de Espinosa sem empregar uma linguagem também poética. O dizer poético é necessário quando o conceito filosófico, sozinho, não consegue dizer o que ele tem para dizer. Há em Espinosa não apenas luzes racionais , também há luzes afetivas. A luz de Espinosa não é apenas a luz da crítica, ela também é luz clínica: ela se torna remédio quando absorvida. O iluminismo de Espinosa não está centrado apenas em uma única luz, mesmo que seja a luz do sol . Em Espinosa, as luzes são múltiplas e várias, e cada uma tem seu foco, sua cintilação . Há realidades que somente podem ser iluminadas pela luz da lua, luz poética : assim são as realidades noturnas, fora e dentro do homem, como as paisagens do inconsciente que a luz do sol não alcança. Há realidades sutis que somente ficam claras sob a luz das estrelas, luz metafísica. As estrelas são infinitos sóis juntos, pois somente infinitos sóis podem iluminar o conhecimento da infinita natureza. Há ainda em Espinosa uma luz mais surpreendente e fulgurante : seu pensamento às vezes se assemelha à luz de um intenso relâmpago , como clarão libertário irrefreável. Todas essas múltiplas e heterogêneas luzes existem para abrir e potencializar a luz dos nossos olhos , para que a treva em torno não nos cegue.

 

( imagem: capas da edição em português e em espanhol do livro que inspira a postagem. Na edição brasileira, estranhamente Espinosa não aparece na capa; na espanhola , ao contrário, somente ele aparece, sendo essa capa mais fiel ao conteúdo do livro)


Foi neste quadro de Van Gogh ( “Noite estrelada sobre o Ródano") que vi os mil sóis juntos. Quando se olha de perto o quadro, percebe-se que Van Gogh pintou cada estrela como de fato cada estrela é : um sol. É por isso que esse quadro também poderia  chamar-se: “Infinitos dias” ou “dia eterno”.


Encontra-se  neste livro a  ideia de que o pensamento de Espinosa é como o clarão de um relâmpago : “L’eclair de Spinoza” / “O relâmpago de Espinosa”  ( infelizmente, o livro ainda não está  traduzido para o português: embora o livro esteja escrito em prosa, ele é, do que começo ao fim, uma poesia ) :





Em homenagem ao poeta-Caetano ( que hoje faz aniversário):



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