sexta-feira, 14 de agosto de 2020

tempo e aprendizado em proust

 

“Em busca do tempo perdido” é um livro sobre o mais necessário dos aprendizados.   Esse aprendizado, porém,  é tão necessário quanto difícil. Ele não é um aprendizado a ser feito por  crianças a serem educadas , ou por  adultos que pouco estudaram. O aprendizado de que trata o livro é um aprendizado que deve ser feito por “um homem de letras”, isto é, por alguém  que sabe usar as letras, as palavras, as teorias, mas que se dá conta que as letras já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada,  nada ensinam. Esse aprendizado , portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se trata do tempo do relógio e  calendário. O tempo com o qual se aprende não se revela imediatamente. E é por isso que  “perdemos o tempo” mais do que o vivemos, enquanto ignorarmos seu aprendizado. Os “roteiros prontos” do viver acostumado nos fazem perder presentemente o tempo, sem  disso nos darmos conta. O primeiro aprendizado vem acompanhado da angústia em perceber  que  o “tempo que se perde” somente sabemos dele depois que ele passa.  O segundo aprendizado pode acontecer nas relações afetivas, pois elas  são projetos em comum de futuro. Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se tempo perdido a pesar no passado de cada um. Essa descoberta do “tempo perdido” não se faz sem decepção e dor. É  por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu início, doloroso. Até que pode advir um terceiro  aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. E aqui quem nos auxilia é a memória não ressentida . Essa  memória pode ser capaz de redescobrir no seio do tempo perdido, em meio ao passado , alguma coisa que se salva e nos resgata da dor  presente. Essa memória traz até mesmo alegrias, revelando  que no passado vivido  havia coisas que não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme , a insegurança ou o desejo de posse. Não podemos mudar o passado, porém podemos mudar seu sentido. A última etapa da aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo  é redescoberto agora, e não no passado. Ele não é o futuro que se planeja, ele é o traçar de um plano ou devir que começa agora, como antídoto à perda do tempo. No sentido bem amplo da palavra, e dito de maneira simples,  o tempo redescoberto é a descoberta da arte em seu sentido existencial, enquanto potência  (re)criadora da própria vida. O tempo redescoberto   nos ensina que redescobrir o tempo é  redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde somos nós mesmos que nos perdemos. Tempo que se perde  , tempo perdido  , tempo que se redescobre  e tempo redescoberto : esse é o caminho do aprendizado cujo mestre é o tempo.

“O aprender vem antes do ensinar.” (Deleuze)




 


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