domingo, 2 de agosto de 2020

andar ao lado

A filosofia não se expressa apenas em palavras e teorias, pois gestos e cores também são capazes de simbolizarem o que cada filósofo pensa. É o que faz Rafael nesta famosa obra: cada pensador é ali representado conforme um gesto, uma expressão facial e a cor da roupa que veste. Chama a atenção na imagem as duas figuras que estão aparentemente no centro: Platão e Aristóteles. Os dois aparecem lado a lado, mas sob certa tensão divergente. Parece que eles conversavam e , de repente, pararam diante de um impasse irresolúvel. Se ao invés de pintura fosse cinema, veríamos que , não faz muito tempo, Aristóteles andava atrás de Platão, como discípulo. Até que ousou pôr-se ao lado de Platão, agora já não mais seu mestre. Platão que sempre andava à frente e sozinho, deve ter levado um susto ao ver alguém ao seu lado, e não para lhe fazer companhia...Platão aponta para o Céu, para um Outro Mundo como Pátria verdadeira da Alma cativa aqui na terra, enquanto Aristóteles pondera com a mão espalmada, querendo dizer que a terra também é a nossa casa. O livro que cada um segura reproduz o gesto da mão . Mas o centro verdadeiro da obra não é Platão ou Aristóteles, o centro é o espaço “entre” os dois: o centro é a Diferença. Na pintura, é chamado de “ponto de fuga” a esse centro que se abre ao infinito. Transpondo esse espaço para a filosofia, ele se transmuta em “linha de fuga”. Linha de fuga não é fugir ou evadir-se no imaginário, tampouco fugir do mundo; linha de fuga é fazer fugir algo que estava aprisionado. Linha de fuga é ato libertário. Nenhum filósofo específico ocupa esse centro, pois esse centro é acentrado: horizonte aberto onde o pensar encontra a vida heterogênea e múltipla. A filosofia pode ser identificada academicamente a um filósofo, porém o pensar é essa abertura onde a própria vida está. Quando lemos e aprendemos com um filósofo que se abre a esse centro, a gente se sente não como estando atrás , mas andando ao lado. Ou como fazia Espinosa: conduzindo pela mão.

 

“Deprecio tanto seguir como ser seguido:

para me acompanhar aonde vou, é preciso aprender a amar andar ao lado.” (Nietzsche)




(na postagem está apenas uma parte da obra, aqui acima está ela inteira. À direita, vestindo um tom de vermelho mais intenso do que o de Platão, está Plotino. Mais do que Aristóteles, talvez seja Plotino que realiza o gesto mais antagônico ao de Platão: Plotino aponta discretamente para baixo com o dedo indicador da mão esquerda, ele aponta para a terra, querendo dizer: a terra é o céu que desceu, tudo é Uno)



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