sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

o poder e seus lugares


Como se sabe, a diferença de posicionamento político entre direita, centro e esquerda vem da Revolução Francesa. Tomando como referência a mesa  na qual se sentavam os dirigentes que comandavam  as assembleias, eram “de direita” então  os que ficavam  à direita da mesa, “de esquerda” os que se situavam à esquerda e “de centro” os posicionados à frente da mesa. Mas e a própria mesa, em qual lugar ela fica ? Alguns com pretensão à “neutralidade” dirão: a mesa não é de esquerda, de direita ou de centro, ela seria  um lugar politicamente neutro, como uma espécie de divindade pairando “acima de todos”, transcendentemente . Mas será mesmo isso possível? A mesa a partir da qual se exerce o comando da política é mesmo neutra? Tanto Deleuze quanto Foucault chamam de “lugar do poder” a esse pretenso lugar neutro da mesa. Espinosa, por sua vez, designava de “potestas” (poder) a esse lugar da mesa  para diferenciá-lo da “potentia” ( potência) enquanto heterogeneidade social.  Esse lugar da mesa, portanto, nada tem de neutro: ele  simboliza toda forma de poder, sobretudo o poder do Estado. Assim, a diferença  entre a direita e a esquerda somente aparece de verdade quando uma delas, vitoriosa no voto,  vem ocupar o lugar da mesa-poder para assim governar. A direita manterá o mito ideológico de que o lugar da mesa é neutro, para assim dissimular os interesses egoístas aos quais serve, alardeando  que age “sem viés ideológico”. Já a esquerda deve assumir que o lugar da mesa não é neutro, para assim  escolher governar para os mais pobres e injustiçados, potencializando as minorias e cuidando para que tenha voz também à mesa a diversidade dos que não estão sentados nela, os marginalizados. A direita cultua as  mesas retangulares , como aquelas que ocupavam o centro  da sala da Casa Grande, nas quais os poderosos se sentavam à cabeceira para serem servidos e se locupletarem ; já a esquerda precisa amar as mesas circulares , isto é,  mesas sem cabeceira e lugares privilegiados, para que nelas se sentem    e sejam alimentados  os que têm fome. Não apenas fome de alimento, como também   fome de justiça, fome de dignidade, fome de conhecimento, fome de arte.






"É nessa multidão que penso quando me refiro à maneira pela qual Gilles Deleuze caracterizava a diferença entre esquerda e direita - uma diferença de natureza, ele salientava, não de convicção , porque a esquerda ( no sentido sempre traído pelos partidos ditos de esquerda ) tem necessidade , necessidade vital, de que as pessoas pensem , ou seja , imaginem , sintam, formulem suas próprias questões e suas próprias exigências, determinem as incógnitas de sua própria situação." Trecho do livro "No tempo das catástrofes : resistir à barbárie que se aproxima", de Isabelle Stengers:






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