Como se sabe, a diferença de
posicionamento político entre direita, centro e esquerda vem da Revolução
Francesa. Tomando como referência a mesa
na qual se sentavam os dirigentes que comandavam as assembleias, eram “de direita” então os que ficavam
à direita da mesa, “de esquerda” os que se situavam à esquerda e “de
centro” os posicionados à frente da mesa. Mas e a própria mesa, em qual lugar ela
fica ? Alguns com pretensão à “neutralidade” dirão: a mesa não é de esquerda,
de direita ou de centro, ela seria um
lugar politicamente neutro, como uma espécie de divindade pairando “acima de
todos”, transcendentemente . Mas será mesmo isso possível? A mesa a partir da
qual se exerce o comando da política é mesmo neutra? Tanto Deleuze quanto
Foucault chamam de “lugar do poder” a esse pretenso lugar neutro da mesa. Espinosa,
por sua vez, designava de “potestas” (poder) a esse lugar da mesa para diferenciá-lo da “potentia” ( potência)
enquanto heterogeneidade social. Esse
lugar da mesa, portanto, nada tem de neutro: ele simboliza toda forma de poder, sobretudo o
poder do Estado. Assim, a diferença entre
a direita e a esquerda somente aparece de verdade quando uma delas, vitoriosa
no voto, vem ocupar o lugar da
mesa-poder para assim governar. A direita manterá o mito ideológico de que o
lugar da mesa é neutro, para assim dissimular os interesses egoístas aos quais
serve, alardeando que age “sem viés
ideológico”. Já a esquerda deve assumir que o lugar da mesa não é neutro, para
assim escolher governar para os mais pobres
e injustiçados, potencializando as minorias e cuidando para que tenha voz também
à mesa a diversidade dos que não estão sentados nela, os marginalizados. A
direita cultua as mesas retangulares ,
como aquelas que ocupavam o centro da
sala da Casa Grande, nas quais os poderosos se sentavam à cabeceira para serem
servidos e se locupletarem ; já a esquerda precisa amar as mesas circulares ,
isto é, mesas sem cabeceira e lugares
privilegiados, para que nelas se sentem e sejam alimentados os que têm fome. Não apenas fome de alimento,
como também fome de justiça, fome de dignidade, fome de
conhecimento, fome de arte.
"É nessa multidão que penso
quando me refiro à maneira pela qual Gilles Deleuze caracterizava a diferença
entre esquerda e direita - uma diferença de natureza, ele salientava, não de
convicção , porque a esquerda ( no sentido sempre traído pelos partidos ditos
de esquerda ) tem necessidade , necessidade vital, de que as pessoas pensem ,
ou seja , imaginem , sintam, formulem suas próprias questões e suas próprias
exigências, determinem as incógnitas de sua própria situação." Trecho do
livro "No tempo das catástrofes : resistir à barbárie que se aproxima",
de Isabelle Stengers:
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