domingo, 12 de janeiro de 2020

linha de fuga

Virou um lugar comum falar em  “amores líquidos”, “amizades líquidas” e até mesmo em “ensino líquido”... Não são poucos os que, nostálgicos de valores sólidos, maldizem a "fluidez" desses nossos dias.Porém, esse “líquido” carente de consistência  nada tem a ver com a água manoelina que vence os obstáculos: talvez essa "água que corre entre pedras" tenha a mesma fonte que o  fluxo  poético que Heráclito chamou de eterno rio - sem começo ou fim, apenas meio. O fluxo poético, como "liberdade caçando jeito" (para inventar seu estilo e afirmar sua diferença), é fluido, mas não é sem força ou volúvel; ele é firme, possui consistência, porém não é rígido; ele é nômade, andarilho, mas sabe aonde ir. O modelo do atual  “volúvel mundo líquido” , ao contrário, é a liquidez volátil do Capital colonizando os espaços subjetivos.
Ser líquido não é ser fluxo: líquido é um estado contrário ao sólido, que nega o sólido;assim como o sólido, enquanto estado, também é uma negação do líquido. Apesar de opostos, sólido e líquido são estados, isto é , enfraquecimento ou despotencialização do fluxo: por enrijecimento de uma identidade , no caso do sólido; por tornar a diferença um clichê , no caso do líquido.
Quando a água se torna líquida, ela não é menos um estado do que quando se torna sólida ( ao virar gelo). O fluxo é mais do que o líquido: ele é o ser mesmo do que nunca é um estado ou um "acostumado" , diria Manoel de Barros.
Enfim, os líquidos às vezes se amoldam à forma de seus recipientes, e assim são “capturados”( mesmo a tela do computador pode se tornar uma fôrma ou  molde);os fluxos , ao contrário, ou inventam seus caminhos ou secam e morrem.        


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