Virou um lugar comum falar em “amores líquidos”, “amizades líquidas” e até
mesmo em “ensino líquido”... Não são poucos os que, nostálgicos de valores
sólidos, maldizem a "fluidez" desses nossos dias.Porém, esse
“líquido” carente de consistência nada
tem a ver com a água manoelina que vence os obstáculos: talvez essa "água
que corre entre pedras" tenha a mesma fonte que o fluxo
poético que Heráclito chamou de eterno rio - sem começo ou fim, apenas
meio. O fluxo poético, como "liberdade caçando jeito" (para inventar
seu estilo e afirmar sua diferença), é fluido, mas não é sem força ou volúvel; ele
é firme, possui consistência, porém não é rígido; ele é nômade, andarilho, mas
sabe aonde ir. O modelo do atual
“volúvel mundo líquido” , ao contrário, é a liquidez volátil do Capital
colonizando os espaços subjetivos.
Ser líquido não é ser fluxo: líquido
é um estado contrário ao sólido, que nega o sólido;assim como o sólido,
enquanto estado, também é uma negação do líquido. Apesar de opostos, sólido e
líquido são estados, isto é , enfraquecimento ou despotencialização do fluxo:
por enrijecimento de uma identidade , no caso do sólido; por tornar a diferença
um clichê , no caso do líquido.
Quando a água se torna líquida, ela
não é menos um estado do que quando se torna sólida ( ao virar gelo). O fluxo é
mais do que o líquido: ele é o ser mesmo do que nunca é um estado ou um
"acostumado" , diria Manoel de Barros.
Enfim, os líquidos às vezes se
amoldam à forma de seus recipientes, e assim são “capturados”( mesmo a tela do
computador pode se tornar uma fôrma ou
molde);os fluxos , ao contrário, ou inventam seus caminhos ou secam e
morrem.
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