quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

diferença entre crença legítima e ilegítima, segundo david hume


O filósofo Hume distinguia dois tipos de crença: a “legítima” e a “ilegítima”. Segundo ele, não é a razão o alicerce do conhecimento, o alicerce é a crença. Em palavras simples, assim Hume explica seu argumento : temos a memória do que aconteceu ontem e a percepção  do que acontece hoje, agora. Por exemplo, ontem o sol se levantou: esse fato vive  em nossa memória. Hoje, vemos o sol se levantar, conforme atesta nossa percepção. Porém, não podemos ter experiência do que vai acontecer amanhã: o futuro não pode ser experimentado. O que nos leva então a ter a expectativa  de que o sol nascerá amanhã e tratar essa expectativa como se ela fosse uma certeza inquestionável? Segundo Hume, não são apenas  a memória do passado  e a percepção  do presente que sustentam essa nossa expectativa, pois tal expectativa  é determinada por um mecanismo psicológico profundo : a crença. A crença é o fundamento de todo conhecimento, e não a “Razão” ou a “Verdade”. Existe a crença porque a mente está sempre voltada para o futuro , para o que vai acontecer, gerando nela expectativas. A crença deixa de ser uma expectativa de nossa mente e se torna um fato quando a natureza comprova nossas expectativas: vem um novo dia, e o sol nasce. Não é nossa mente que faz o sol nascer, quem o faz nascer é a natureza: pela ação da natureza, a expectativa se torna então realidade. Para Hume, mesmo a ciência está apoiada na crença. Porém a ciência é uma crença legítima: a autoridade a qual ela obedece é a natureza e nada mais. Ou seja, a crença legítima pode ser refutada. E quem a comprova ou refuta é a mesma autoridade: a natureza. Pois toda lei científica nasceu de uma hipótese que a natureza confirmou ( e inúmeras hipóteses não viraram leis porque a natureza as refutou).Já a crença ilegítima é aquela que se apoia em “verdades” que prescindem da comprovação da natureza. São verdades, portanto, que ninguém pode refutar: nem a natureza, tampouco a ciência. Tais “Verdades” não se sustentam na argumentação ou na experiência: elas se impõem exigindo  obediência . Como toda crença, a ilegítima também se explica pela mente humana , quando a mente humana  ignora  seus limites , imaginações e fantasias. Ela se torna ilegítima  não por ser uma crença, mas por usurpar  o limite que lhe é próprio, querendo tomar o lugar da filosofia e da ciência.  Segundo Hume, não há problema em si na crença ilegítima, desde que ela se limite a um espaço privado de culto e pratique como sua verdade   o  amor ao próximo . O problema é quando as autoridades cujo poder vem da crença ilegítima querem também ser autoridade política. Nesse caso, correrá risco não apenas a democracia, cuja essência é o debate público e livre, também correrá perigo a própria ciência. Quando a crença ilegítima se apodera do poder do Estado e sua polícia, as consequências disso serão a censura, as perseguições, a intolerância  e a estigmatização  de quem pensa diferente .

(imagem da capa: “A primavera”, de  Botticelli )







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