O escritor argentino Jorge Luís Borges conta a seguinte história (que interpreto mais do que reproduzo): havia uma aldeia que era parte de um país. Nessa aldeia existia uma corporação poderosíssima de cartógrafos. Eles faziam mapas, isto é, cópias ou representações da realidade. Mas eles eram poderosos apenas para imitarem ou simularem algo já dado ; para criarem algo novo , como faz o artista, eles eram impotentes. Eles eram tão poderosos em simularem que certa vez fizeram um mapa da aldeia do tamanho da aldeia. Não satisfeitos , depois fizeram um mapa do país do tamanho do próprio país... A confusão então se instalou : muitos trocavam a realidade pela mera simulação dela. Parecia já acontecer ali o que hoje se chama de “pós-verdade do mundo digital”. A simulação era tão perfeita que os passarinhos no início se confundiam e voavam para as árvores de mentira do mapa. Mas rapidamente os passarinhos descobriam, graças ao tino de que lhes dotou a vida , o logro daquela realidade fingida, e nela não construíam seus ninhos. Porém o mesmo não aconteceu com certos homens que , depreciadores da vida e suas mudanças, deliravam encontrar uma realidade enfim estática . Assim, eles tomaram por verdade uma realidade artificialmente fabricada , como aqueles que hoje creem em realidades fakes na tela de seus celulares . Mas logo o mapa se tornou passado, como um retrato estático em relação à pessoa viva da qual ele foi tirado. As pessoas mudam e se transformam, ficam diferentes, como tudo o que vive sob o tempo, mas os retratos, assim como os mapas, permanecem sempre os mesmos. Porém os homens conservadores viam nisso uma virtude, pois consideravam a mudança um demoníaco pecado. E era de lá, desse país na mentira conservado, que eles condenavam toda realidade nova não aprisionada naquele mapa . Eles só não esperavam que tal realidade fake, tida por eles como “Verdade Eterna”, começasse tão cedo a rasgar...
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