quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

a terceira margem do rio


As duas margens do rio prendem e limitam o fluxo das águas.  Mas o rio possui ainda uma terceira margem . Essa terceira margem ora é nascente , “minadouro”, do qual o rio nasce, ora é o oceano no qual o rio se torna. A terceira margem nos mostra que rio, oceano, chuva, suor e lágrima...tudo é metamorfose diferente de uma mesma  água fontana. 
A gramática é  as duas margens que contêm a palavra. Porém  a poesia é nascente da qual o sentido jorra, fluindo até o aberto onde se horizonta.

A cisterna contém,

a fonte transborda.

W. Blake


Poeta é quem possui visão fontana.
Manoel de Barros









O tempo e a eternidade são radicalmente diferentes, porém não estão separados. O tempo é um rio que corre entre duas margens: o futuro e o passado . O presente que passa liga as duas margens, ao mesmo tempo que as separa. A eternidade é a terceira margem do rio: quem vai daqui para lá a atravessa , mas quem está lá já não pode para cá atravessar. O outro lado da terceira margem parece às vezes o passado, como  um retrato que não recebe mais retoque ou novo traço. O outro lado da terceira margem às vezes parece o futuro , como a terra nova com a qual sonham utópicos tratados. Mas ninguém sabe o que está do outro lado da terceira margem, tampouco sabe o barco que , imóvel,  atravessa para o outro lado. Quando se é criança, a terceira margem parece estar lá no horizonte muito distante. Quando  vêm os cabelos brancos, porém, vemos a terceira margem  cada vez mais próxima:  e do barco que um dia  também será nosso, de lá nos acenam os que nos geraram.





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