As duas margens do rio prendem e
limitam o fluxo das águas. Mas o rio possui ainda uma terceira margem . Essa
terceira margem ora é nascente , “minadouro”, do qual o rio nasce, ora é o
oceano no qual o rio se torna. A terceira margem nos mostra que rio, oceano,
chuva, suor e lágrima...tudo é metamorfose diferente de uma mesma água fontana.
A gramática é as duas margens que contêm a palavra. Porém a poesia é nascente da qual o sentido jorra, fluindo até o aberto onde se horizonta.
A
cisterna contém,
a
fonte transborda.
W. Blake
Poeta
é quem possui visão fontana.
Manoel
de Barros
O tempo e a eternidade são
radicalmente diferentes, porém não estão separados. O tempo é um rio que corre
entre duas margens: o futuro e o passado . O presente que passa liga as duas
margens, ao mesmo tempo que as separa. A eternidade é a terceira margem do rio:
quem vai daqui para lá a atravessa , mas quem está lá já não pode para cá
atravessar. O outro lado da terceira margem parece às vezes o passado, como um retrato que não recebe mais retoque ou novo traço. O outro lado da terceira margem às vezes parece o
futuro , como a terra nova com a qual sonham utópicos tratados. Mas ninguém sabe o que está do outro lado da terceira margem, tampouco sabe o barco que , imóvel, atravessa para o outro lado. Quando
se é criança, a terceira margem parece estar lá no horizonte muito distante.
Quando vêm os cabelos brancos, porém, vemos
a terceira margem cada vez mais próxima: e do barco que um dia também será nosso, de lá nos acenam os que nos geraram.
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