quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

massa, povo e multitudo


1- Em razão do evento teológico-político do último domingo, está sendo muito lembrado o texto de Freud “Psicologia das massas e análise do eu”.

Segundo Freud, a massa anula a personalidade dos indivíduos que entram nela, ao mesmo tempo desfazendo nesses indivíduos mecanismos psicológicos que freiam a subida à mente  de impulsos associais destrutivos. Na massa esses impulsos circulam e amalgamam  cada indivíduo , os imbecilizando e desumanizando.

Cada indivíduo tem um nome, porém a massa é anônima: fazendo parte dela, cada indivíduo perde a noção de responsabilidade  por seus atos, uma vez que quem age é a massa : na massa  são  reveladas as sombrias faces ocultas   que se escondem atrás do rosto do  chamado “homem de bem...”

Sob o poder da  massa, pequenas antipatias se tornam ódios mortais , enquanto  seus líderes são tratados como  seres divinizados cujas mensagens se tornam palavras de ordem a serem repetidas e obedecidas  fanaticamente.

Segue um trecho de Freud: “As massas nunca tiveram a sede da verdade. Requerem ilusões(...). Nelas o irreal tem primazia sobre o real.”

 

2- Acrescentando ao que diz Freud, trago Espinosa. Não são a mesma coisa as ideias de “massa”, “povo” e o que Espinosa chama de “multitudo”.

As massas são instrumentos passivos de “líderes” que as fomentam e as mantêm arrebanhadas  canalizando a seu favor , e contra seus inimigos ( reais ou imaginários),  impulsos como o ódio ,  o medo , a violência e a obediência cega, servil.

Já “povo” é um conceito jurídico-político. O povo não tem um líder que o submete e arrebanha; ao contrário,  o povo escolhe seus líderes mediante preferências  eleitorais democráticas. É verdade que “todo poder emana do povo”, porém povo não é massa.  

A palavra “multitudo” tem por sinônimo “multiplicidade”. Multiplicidade é tudo aquilo que potencializa e torna múltipla a singularidade que dela faz parte.

A multiplicidade não tolhe, ela multiplica; ela não destrói, ela cria; ela não odeia, ela ama a si própria e por isso se  indigna contra as tiranias. Ela não se submete cegamente a  “líderes”, ela afirma a si mesma como soberana : ninguém fala por ela ou no lugar dela, mas com ela. Ela não se representa: ela se presenta, faz-se presente, insubstituível.

A multitudo não é massa anônima que dissolve os eus na irresponsabilidade insana e acéfala, a multitudo é a expressão de um “nós” ético-político enquanto agenciamento plural de singularidades não egoicas  pensantes e atuantes.

A  multitudo não habita apenas um país, ela habita sobretudo a Terra, embora seja sempre num país, numa cidade ,ou mesmo num bairro, que ela se manifesta, conectando o local ao planetário, como voz plural a expressar a humanidade em seu avançar educacional e democrático.

 

 


 





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