Na Terceira Parte de sua Ética, para ajudá-lo na explicação sobre os “afetos”, Espinosa cita um poeta. Embora ele não o nomeie , o poeta em
questão é Ovídio, que diz :
“Nós, amantes, vivemos da esperança e
do medo;
É de ferro quem ama o que o outro
abandona.”
Não é raro Espinosa se agenciar com poetas
para , em diálogo com eles, filosofar e explicar suas ideias.
Quem lê Espinosa mais do que com a mente, lendo-o também com a sensibilidade, percebe que ele não apenas cita poetas, ele próprio é um : um poeta do pensamento.
A maneira como Espinosa descreve os
afetos, expressando suas cores e sombras de tão perto, só mesmo em grandes
escritores e poetas se pode encontrar
algo igual.
Lendo a Ética, sobretudo a Terceira Parte,
vemos um rico e multifacetado material afetivo , o mesmo com o qual são feitas a literatura ,
a poesia e as artes que afetam e fazem pensar.
No texto filosófico de Espinosa se podem ver, em rascunho, tragédias e comédias,
dramas e odisseias, líricas e epopeias do corpo e da mente. Tudo cuidadosa e
esmeradamente argumentado sob a forma de
um discurso geométrico singularíssimo, que dá forma racional
ao pensamento mas sem reprimir ou castrar o conteúdo dionisíaco-pulsional, esteio da
vida.
Os personagens que vestem as roupas e
vivem os cenários criados por Espinosa-escritor-poeta
não são os da ficção, os personagens somos
nós mesmos em nosso mais íntimo cotidiano, em nossas relações com o outro e
conosco. Por isso, o texto de Espinosa também é clínico, sem deixar de ser
social e político.
Espinosa não descreve os afetos (pré)julgando-os;
ao contrário, ele nos conduz, como que
pela mão, à compreensão de sua necessidade
e razão de ser. Ele não demoniza e nem santifica os afetos, ele lança luz sobre
eles, luz potente que esconjura a
ignorância e a superstição , das quais se aproveitam os tiranos propagadores do medo, do ódio e da
servidão.
Na Quinta Parte de sua Ética, Espinosa também oferece o
remédio para os afetos que nos despotencializam e entristecem, mas sem propagandear
esse remédio como uma panaceia milagrosa.
Na verdade, esse remédio não é como
uma vacina que, tomada uma única vez, nos imuniza para todo sempre; o remédio
se assemelha mais a uma pílula que devemos tomar, perseverantemente, todo dia
pela manhã.
( Este livro é apenas uma sugestão. A referência do texto
que escrevi é o corolário da proposição 31 da Terceira Parte da Ética)
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