quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Espinosa e o remédio

 

Na Terceira Parte de sua  Ética, para ajudá-lo  na explicação sobre  os “afetos”, Espinosa cita  um poeta. Embora ele não o nomeie , o poeta em questão é Ovídio, que diz :  

“Nós, amantes, vivemos da esperança e do medo;

É de ferro quem ama o que o outro abandona.”

Não é raro Espinosa se agenciar com poetas para , em diálogo com eles, filosofar e explicar suas ideias.

Quem lê Espinosa mais do que com  a mente,  lendo-o também com a sensibilidade,  percebe que ele não apenas cita poetas, ele próprio é um : um poeta do pensamento. 

A maneira como Espinosa descreve os afetos, expressando suas cores e sombras de tão perto, só mesmo em grandes escritores e poetas  se pode encontrar algo igual.

Lendo a Ética, sobretudo a Terceira Parte, vemos um rico e multifacetado material afetivo  , o mesmo com o qual são feitas a literatura , a poesia e  as artes que afetam e fazem pensar.  

No texto filosófico de Espinosa se  podem ver, em rascunho, tragédias e comédias, dramas e odisseias, líricas e epopeias do corpo e da mente. Tudo cuidadosa e esmeradamente argumentado  sob a forma de um  discurso  geométrico singularíssimo, que dá forma racional ao pensamento mas sem reprimir ou castrar  o conteúdo dionisíaco-pulsional, esteio da vida.  

Os personagens que vestem as roupas e vivem os cenários  criados por Espinosa-escritor-poeta  não são os da ficção, os personagens somos nós mesmos em nosso mais íntimo cotidiano, em nossas relações com o outro e conosco. Por isso, o texto de Espinosa também é clínico, sem deixar de ser social e político.

Espinosa não descreve os afetos (pré)julgando-os; ao contrário,  ele nos conduz, como que pela mão,  à compreensão de sua necessidade e razão de ser. Ele não demoniza e nem santifica os afetos, ele lança luz sobre eles, luz potente que esconjura  a ignorância e a superstição , das quais se aproveitam  os tiranos propagadores do medo, do ódio e da servidão.

 Na Quinta  Parte de sua Ética, Espinosa também oferece o remédio para os afetos que nos despotencializam e entristecem, mas sem propagandear esse remédio como uma panaceia milagrosa.

Na verdade, esse remédio não é como uma vacina que, tomada uma única vez, nos imuniza para todo sempre; o remédio se assemelha mais a uma pílula que devemos tomar, perseverantemente, todo dia pela  manhã.





( Este livro  é apenas uma sugestão. A referência do texto que escrevi é o corolário da proposição 31 da Terceira Parte da Ética)





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