sexta-feira, 1 de março de 2024

Uma ciência espinosista: a etologia

 

Em uma belíssima passagem de sua obra  , Deleuze explica a relação dos afetos com os seres vivos  a partir da perspectiva de uma disciplina nova, uma disciplina espinosista: a etologia.  

Segundo a etologia, os animais  também possuem afeto, isto é, eles são tocados por acontecimentos que os cercam. Originalmente, “afeto” deriva de um termo latino que significa “ser tocado”.

 O carrapato por exemplo, diz Deleuze, possui três afetos, e tão somente três: pela luz do sol , pelo odor do suor e pelo calor do sangue . Desprovido de visão, o afeto pela luz do sol   leva o carrapato a subir num galho ou árvore  ( embora não  veja a luz do sol , ele a sente: a luz o toca ...). Em cima do galho, o carrapato espera...

Sua espera pode durar dias, semanas, meses...Enquanto espera, ele como que hiberna. Até que o desperta o segundo afeto: o odor do suor de um mamífero que por ali passa. Quando sente que o mamífero está sob seu alcance, o carrapato se solta do galho e se lança em direção ao corpo do mamífero, e sobre ele pousa, enveredando sob os pelos atraído  pelo terceiro afeto: o calor do fluxo do sangue.

Ele então suga o sangue, se intumesce, regozija-se e fica  pleno. Até que  se larga e cai no chão, realizando aquilo que da sua vida é o sentido, a sua razão de ser. Da quantidade infinita de acontecimentos da natureza, apenas três afetam o carrapato. E esses acontecimentos se tornam signos em torno dos quais o carrapato vive.

Não importa se um carrapato , um homem ou qualquer outro ser vivo: são nossos afetos que nos definem e nos fazem agir como agimos. Alguns têm afeto por dinheiro, outros por fama, outros ainda por poder : e se moverão em torno dessas coisas, como o carrapato buscando o sangue.

Outros têm afeto pelo som, e se tornam músicos; outros pela palavra, e se tornam poetas, escritores; outros têm afeto pelo conhecimento, e se tornam cientistas, professores, educadores; e outros raros  ainda , como Espinosa, têm afeto pelo infinito, e pelo infinito regozijam , amam e somente com ele  ficam plenos.


( as obras do etólogo Uexküll)












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