sábado, 10 de fevereiro de 2024

Dioniso

 

O carnaval nasceu como festa dedicada   a Dioniso, o “Deus das artes”. Porém, a expressão “Deus” não é adequada para traduzir o sentido que os gregos atribuíam a Dioniso.  Pois sempre imaginamos “Deus” como um ser que criou, do nada, sua obra:  a natureza.

Imaginamos Deus, o criador, como diferente e separado de sua obra. Mas não era assim que os gregos, povo pensador-poeta, concebiam suas divindades.

Não havia as artes antes de Dioniso : as artes surgiram  com Dioniso , havendo assim uma inseparabilidade entre o criador e sua obra, entre  arte e  existência.  

Dioniso não representa apenas uma forma de arte, ele expressa a potência múltipla e heterogênea  das artes, sobretudo a mais importante delas :  a arte de reinventar a vida.

Dioniso era o símbolo do “triunfo da vida”. Não o triunfo de uma vida sobre outra vida, como na competição desumana dessa selva capitalista, mas triunfo da vida resistindo àqueles que a querem   morta, nos vários sentidos que a palavra “morte” tem.

Pois ,quando  criança , Dioniso  foi despedaçado por divindades sombrias propagadoras  do ódio e da barbárie , divindades antiartísticas.

Sabia-se que Dioniso tinha uma metade humana e outra metade divina, uma metade mortal e outra que nunca morria. Mas qual era a parte divina dele? Ninguém sabia...Exceto Zeus.

Então, quando Zeus viu Dioniso-criança despedaçado, buscou entre as partes a que era divina, pois somente essa parte  pode resistir aos carrascos da vida.

Era o coração, sede da coragem e do afeto,  a parte onde é mais potente a  vida. Zeus pegou o coração de Dioniso-criança e dele fez nascer novamente Dioniso. Isso explica seu nome: “Di-oniso”, “duas vezes nascido”.

Quando nasceu a primeira vez, Dioniso veio ao mundo chorando, como  todo recém-nascido ; ao renascer , porém, Dioniso  saiu  do coração sorrindo , em festa, na alegria do   triunfo da  vida :  como   arte de  tornar a vida de novo nascente, nesta vida e não noutra.

Tal triunfo vinha acompanhado de uma potente alegria semelhante a uma embriaguez .  Não a embriaguez por excesso  etílico,    mas   embriaguez  pelo excesso de vida transbordante . 

Manoel de Barros, ébrio de poesia , chama  de “deslimite” a tal excesso que não deixa  morrer a vida: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, diz o poeta de vida embriagado.

Em grego, “embriaguez” se escreve assim:  “bacchus”. Quando os romanos deram o nome  “Baco” a Dioniso, enfatizaram apenas um dos aspectos de Dioniso, não a sua simbologia como um todo: reduziram a embriaguez ( “bacchus”) ao estado provocado pelo vinho , ignorando que a embriaguez dionisíaca tinha originalmente muitos outros  sentidos.

Pois  mesmo antes de descobrir o vinho,  Dioniso já se embriagava com a pura  água que ele  bebia nas fontes de Gaia, a Mãe-Terra.

É esse sentido originário de “bacchus” que nos ensina  o poeta Baudelaire : “É preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher. Mas embriaguem-se!”

 

( Este livro é apenas uma sugestão)










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