O carnaval nasceu como festa
dedicada a Dioniso, o “Deus das artes”.
Porém, a expressão “Deus” não é adequada para traduzir o sentido que os gregos
atribuíam a Dioniso. Pois sempre imaginamos
“Deus” como um ser que criou, do nada, sua obra: a natureza.
Imaginamos Deus, o criador, como
diferente e separado de sua obra. Mas não era assim que os gregos, povo
pensador-poeta, concebiam suas divindades.
Não havia as artes antes de Dioniso :
as artes surgiram com Dioniso , havendo
assim uma inseparabilidade entre o criador e sua obra, entre arte e existência.
Dioniso não representa apenas uma
forma de arte, ele expressa a potência múltipla e heterogênea das artes, sobretudo a mais importante delas :
a arte de reinventar a vida.
Dioniso era o símbolo do “triunfo da
vida”. Não o triunfo de uma vida sobre outra vida, como na competição desumana
dessa selva capitalista, mas triunfo da vida resistindo àqueles que a
querem morta, nos vários sentidos que a
palavra “morte” tem.
Pois ,quando criança , Dioniso foi despedaçado por divindades sombrias
propagadoras do ódio e da barbárie ,
divindades antiartísticas.
Sabia-se que Dioniso tinha uma metade
humana e outra metade divina, uma metade mortal e outra que nunca morria. Mas
qual era a parte divina dele? Ninguém sabia...Exceto Zeus.
Então, quando Zeus viu
Dioniso-criança despedaçado, buscou entre as partes a que era divina, pois
somente essa parte pode resistir aos
carrascos da vida.
Era o coração, sede da coragem e do
afeto, a parte onde é mais potente
a vida. Zeus pegou o coração de
Dioniso-criança e dele fez nascer novamente Dioniso. Isso explica seu nome:
“Di-oniso”, “duas vezes nascido”.
Quando nasceu a primeira vez, Dioniso
veio ao mundo chorando, como todo
recém-nascido ; ao renascer , porém, Dioniso
saiu do coração sorrindo , em
festa, na alegria do triunfo da vida : como arte de
tornar a vida de novo nascente, nesta vida e não noutra.
Tal triunfo vinha acompanhado de uma
potente alegria semelhante a uma embriaguez .
Não a embriaguez por excesso
etílico, mas embriaguez
pelo excesso de vida transbordante .
Manoel de Barros, ébrio de poesia ,
chama de “deslimite” a tal excesso que
não deixa morrer a vida: “Na ponta do
meu lápis há apenas nascimento”, diz o poeta de vida embriagado.
Em grego, “embriaguez” se escreve
assim: “bacchus”. Quando os romanos
deram o nome “Baco” a Dioniso,
enfatizaram apenas um dos aspectos de Dioniso, não a sua simbologia como um
todo: reduziram a embriaguez ( “bacchus”) ao estado provocado pelo vinho ,
ignorando que a embriaguez dionisíaca tinha originalmente muitos outros sentidos.
Pois
mesmo antes de descobrir o vinho,
Dioniso já se embriagava com a pura
água que ele bebia nas fontes de
Gaia, a Mãe-Terra.
É esse sentido originário de “bacchus”
que nos ensina o poeta Baudelaire : “É
preciso embriagar-se...Mas, com quê? Com vinho, poesia ou virtude , a escolher.
Mas embriaguem-se!”
( Este livro é apenas uma sugestão)
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