segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

achatamentos e horizontamentos

 

Quando olhamos para o céu e seu amplo espaço, vemos as estrelas como se estivessem num mesmo plano, como se existissem  todas perto. Mas sabemos que as estrelas distam umas das outras,  distâncias imensas há entre elas. Esse ver os distantes no espaço como se estivessem num mesmo plano é obra da imaginação, ensina Espinosa. [1]

Acontece o mesmo em relação às coisas que estão no tempo: tudo o que, no tempo, se encontra em um passado muito afastado, a imaginação não consegue processar. Então, ela também coloca tudo num mesmo plano, um plano de achatamento.

Esse colocar num mesmo plano coisas distantes, tanto no espaço quanto no tempo, nada tem a ver com aquilo que Manoel de Barros chama de “horizontar-se”, uma vez que horizontar-se é o inverso de um achatamento. O achatamento espaço-temporal das coisas  não cria proximidade com elas, mas afastamento da descoberta-invenção do sentido que elas são.

Enquanto o plano criado pela imaginação produz achatamentos, o plano engendrado pelo pensar  instaura a máxima abertura, uma abertura de horizontamentos. Um plano assim é um “plano de imanência", ensina Deleuze inspirando-se em Espinosa.

O horizontamento não diminui as distâncias entre as coisas, achatando-as. O horizontamento cria linhas de fuga para que possamos alcançar as diferentes coisas que distam no tempo e no espaço,  ampliando assim o que  conhecemos. O horizontamento descobre infinitos céus em diferentes espaços, o horizontamento percorre diferentes durações que ampliam o tempo.

Pois achatar o tempo e o espaço é,  na verdade ,  o efeito de um achatamento de nós mesmos primeiro . Esse achatamento existencial nada tem a ver com o viver o aqui e agora, uma vez que viver intensamente o aqui agora é conectá-lo , ampliando-o, com a virtualidade aberta de outros espaços e de diferentes tempos. E essa conectividade não se faz sem que nos horizontemos primeiro.  



[1] Ética, proposição 1  da Quarta Parte.



                                      ( "Noite estrelada sobre o Ródano" /  Van Gogh)

      




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