terça-feira, 10 de maio de 2022

julgar e avaliar

 

De Aristóteles a Kant, o ato de julgar é considerado o ato mais  fundamental da razão. Julgar é unir um conceito a uma realidade individual que se quer conhecer.

Não apenas um juiz julga, um médico também julga quando elabora um diagnóstico, e assim determina que os sintomas que um indivíduo apresenta são os sinais de determinada doença ( ao julgar, o médico faz com que o conceito que ele aprendeu na faculdade opere concretamente na realidade). Visto sob esse  plano ideal,  médicos e  juízes não emitem opinião, eles julgam com a razão.

Porém, o julgamento pode se tornar mera opinião suspeita e tendenciosa quando, dentro do homem, o conceito cede lugar ao pré-conceito.

Quando isso acontece, a ignorância substitui o conhecimento, o ódio toma o lugar do esclarecimento, assim turvando a atividade de julgar, que então se torna mera opinião enquanto instrumento do preconceito disfarçado de “razão”.

A história recente revela  que o obscurantismo às vezes se veste com jaleco branco de médico  ou usa toga de juiz.  Assim são  os médicos que, pondo-se a serviço da ignorância negacionista , receitam  ivermectina contra a covid; ou então os   juízes sonsos e oportunistas que “julgam” a partir de suas preferências partidárias e preconceitos de classe contra os pobres, pretos e nordestinos.

Por isso, pensadores como Espinosa, Nietzsche, Deleuze e Foucault preferem o termo “avaliar” em vez de “julgar”. Avaliar é construir uma  crítica , crítica inclusive da própria razão quando se arroga em discurso “neutro” e apolítico. Quanto mais a razão se crê “apolítica e neutra”, mais ela escamoteia que tem lado: o lado do poder.

“A-valiar”  é determinar o valor de determinada prática , incluindo a prática de julgar , discernindo se ela é nobre ou vil, alimento ou veneno. Para assim  livrar  a justiça  dos juízes parciais  cujas sentenças  são  vis, e  defender a medicina dos  médicos negacionistas  que receitam veneno.

Avaliar não é apenas partir de conceitos teóricos, pois em toda avaliação também devem estar presentes afetos afirmativos, sensibilidades emancipadoras e pensares criativos que , sem negarem  a razão, alcançam realidades que o mero conceito teórico não alcança.

Julgar é uma técnica, porém avaliar é uma arte. Uma arte que conecta pensamento e sensibilidade, crítica e clínica, ideia e realidade, sempre visando potencializar a nossa ação sobre o mundo, aqui e agora.

O imperdível filme “Doze homens e uma sentença”  mostra que o ato de julgar não é imune aos preconceitos. E que a resistência ao julgar suspeito somente começa quando é despertada e posta em prática a ação de avaliar , e isso não se faz sem coragem e perseverança.


( infelizmente, não consegui achar o filme inteiro na web para postá-lo aqui. Na imagem, as duas versões do filme, ambas excelentes)







 

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