quarta-feira, 18 de maio de 2022

Beckett & Marx

 

1. Quando eu fazia o antigo segundo grau, o diretor do colégio era simpatizante da ditadura. Eu e meus amigos queríamos organizar um Diretório Acadêmico, mas o autoritário diretor proibia.

Então, a gente pôs em prática um plano: fingimos  criar  um grupo de teatro, quando na verdade a gente empregava o espaço do auditório  para conversar sobre política, filosofia, artes , enfim, coisas que a ditadura proibia.

Quando o diretor vinha nos “patrulhar” , a gente fingia que estava ensaiando uma peça. Ameaçadoramente,  ele interpelava: “Cadê o roteiro!?”, e a gente respondia: “É Beckett : obra livre sem roteiro...” O diretor-autoritário ia embora desconfiado, enquanto a gente ria...

Certa vez  entrou no auditório um homem que a gente nunca viu antes. Após   colocar  um livrinho na mão de cada um de nós, o tal homem falou: “Isso parece livro, mas na verdade é chave para abrir algemas”.  E completou: “Não deixem ninguém ver vocês com esse livro...”Depois ele  se    foi como veio: incógnito.

Era um livrinho mimeografado, clandestino. Na capa estava escrito: “Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels.

Quando comecei a ler, levei um susto: eu não sabia que palavra podia ter  força  para pôr abaixo a ordem injusta mantida pelos homens poderosos...

Até então, na sala de aula nos eram apresentadas palavras que pareciam já estar mortas há muito tempo: nada diziam de novo e nem incomodavam o poder estabelecido.  Mas as palavras  do livrinho clandestino pareciam ter pernas, braços, coração, coragem...e um desejo irrefreável de mudar o mundo.

2.Marx dizia que sua filosofia visava realizar três reconciliações:

- A reconciliação do homem com a natureza : não só a  natureza externa, mas igualmente a   natureza que o próprio homem é e que se expressa em seu corpo. Assim, reconciliar o homem com a natureza também é reconciliar a mente com o corpo, a razão com o desejo, o intelectual com o sensório.

- A reconciliação do homem com o homem: essa reconciliação requer a superação imediata do capitalismo , que faz do homem “o lobo do outro homem”. Ao invés do “império do meu”,  criarmos  a “comunidade do nosso”.

- A reconciliação da essência com a existência: essa reconciliação pressupõe que se una  teoria pensante   e  práticas emancipatórias , para assim se vencer  as ideologias alienantes  e o  agir mecanizado mantenedores  desse  atual sistema desumanizado que  reduz o ser humano a coisa que se compra, vende, usa e descarta.

Somente com essas três reconciliações começaríamos, enfim, a História. Pois o que temos até hoje, segundo Marx ,  é apenas  trevosa pré-história   onde vigoram   a destruição da natureza, a coisificação do ser humano e a sujeição da feminina-Terra ao poder patriarcal e predador do Capital.

 

( este é um dos melhores livros de apresentação da vida e pensamento de Marx. Vivendo sob imensas dificuldades financeiras enquanto produzia sua obra, Marx alugava seu casaco durante o inverno para obter algum recurso e alimentar sua família )











Nenhum comentário: