Quando eu era criança, meus pais me presenteavam com brinquedos simples, era o que eles podiam
. Por exemplo, carrinhos de plástico. Eu
recebia tais brinquedos e os guardava,
agradecido.
Pois brinquedos não me faziam falta, já que eu gostava mesmo era de brincar com as
próprias coisas, retirando delas os sentidos acostumados .
Por exemplo, eu gostava de fazer de carrinho
os chinelos e sapatos de meus
pais. Brincando com as próprias coisas, eu subvertia seus sentidos e usos utilitários.
Como carrinho lúdico, ao chinelo não faltava
nada, pois estava em meus olhos a fonte de vê-lo outra coisa diferente desta
que todos viam. Nunca me fizeram falta os brinquedos, enquanto eu soube brincar
com o sentido que metamorfoseia e transfigura
a realidade.
Brincar com carrinho era bom, mas brincar com o chinelo feito carrinho
era mais do que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente, para subverter o sentido do que está dado.
Há uma diferença entre fantasia e
criatividade. Imaginar que há monstros debaixo da cama é fantasia, e fantasia
alimenta o medo. Mas jogar um lençol sobre a cabeça para brincar de fantasma, isso
é criatividade que esconjura o medo. O fantasioso é refém de sua mente, já o
criativo faz de sua mente um meio para
ressignificar o mundo.
Minha mãe era costureira. Os
carretéis de linha multicoloridos , os
tecidos e suas texturas, o pedal da máquina de costura acoplado a uma roda que
parecia a “Roda da Fortuna”, todos esses artefatos do mundo eu os via como arte que convidava ao lúdico.
Muito antes de ler mitologia, creio
que foi na máquina de costura de minha mãe que descobri o que era o Fio de
Ariadne que se desdobra de um novelo. Pois sobre a máquina sempre havia um
novelo imenso do qual se desprendia um
colorido fio de lã para se tecer roupa nova. Na minha imaginação de criança, eu
achava que aquele fio era para tecer mais do que roupas, eu
imaginava que com ele uma aranha artista tecia suas teias.
Na mitologia, “Ariadne” significa “aranha que
tece.” Nietzsche dizia que a filosofia é Ariadne que tece linhas de fuga com
fios libertários.
Quando criança , eu sentia que meu
brincar não precisava de brinquedo que o dinheiro compra, pois o brincar autêntico
nasce de dentro e muda o sentido das coisas que nos estão fora.
Quando cresci, li no poeta Manoel de
Barros algo que me ajudou a compreender esse processo lúdico-subversivo.
Manoel diz que a poesia nasce de uma
brincatividade originária, brincatividade essa que existe antes da palavra. A
brincatividade é estado existencial-poético, antes de ser palavra escrita no
papel.
Quando essa brincatividade ganha
nossos olhos, ela se transforma num
“transver o mundo”, para assim subverter seus sentidos costumeiros e os poderes
dados.
Manoel de Barros faz poesia com essa brincatividade que mantém vivo um devir-criança como antídoto ao viver "mesmal" e "acostumado".
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