quinta-feira, 26 de maio de 2022

a Mátria de Nise

 

Ontem, o miliciano vetou o projeto que, como forma de homenagem e reconhecimento,  sugeria inscrever o  nome de Nise da Silveira no livro dos “Heróis e Heroínas da Pátria”, livro distribuído nas escolas. O miliciano alegou que , por ter sido “comunista”, Nise não era digna de ser lembrada pela pátria. Isso me lembrou o que dizia Plotino: quando a treva quer apagar a luz, é a própria treva que assim  revela sua nulidade, seu nada...

Segue uma pequena homenagem à grande Nise :

Nise da Silveira  dizia que nossa saúde mental , ou a falta dela, depende  mais do que fazemos com nossas mãos do que daquilo que teorizamos com nossa mente .

Esse pensamento de Nise me lembra Espinosa . Depois de filosofar sobre o Infinito empregando a potência de sua mente, Espinosa sentia a necessidade de  empregar  suas mãos para polir cuidadosamente  lentes, como um simples artesão.   Vinha gente de longe para comprar as lentes, tal a qualidade delas. Mas Espinosa vendia somente o necessário para sua sobrevivência: suas mãos eram felizes em polir, não em contar dinheiro.

Creio que isso também explica a famosa frase de Espinosa: “Ninguém sabe tudo  o que pode um corpo.” Não apenas o corpo cuja uma das partes é a mão, pois o corpo de que fala Espinosa tem um sentido amplo e variado.

Por exemplo, o corpo do palavra. Ninguém sabe tudo o que pode o corpo da palavra antes de ela ser  empregada como  veículo de expressão educadora-libertária.

Ninguém sabe tudo o que pode o corpo social quando se agencia , democrática e coletivamente, para não se deixar dominar por tiranias. 

Ninguém sabe tudo o que pode um corpo, seja ele qual for, até alguém  ousar criar realidade nova empregando esse poder, essa potência.

Ninguém sabe tudo o que pode um fio, um simples fio aprisionado em um tecido, na forma acostumada de uma roupa, de um uniforme. Consegue  descobrir tudo o que pode o corpo de um fio aquele que  não veste uniformes e tem a alma nua, às vezes ao preço da dor,  como Arthur Bispo do Rosário.

Desfazendo a forma das roupas e uniformes com os quais o poder excludente o vestia,  Bispo do Rosário  desconstruiu  essas fôrmas , fôrmas físicas e simbólicas, até (re) descobrir o fio livre que ali estava preso.

Com sua mão sendo o instrumento para libertar criativamente sua mente,  Bispo do Rosário reinventou  um Fio de Ariadne para bordar sua  linha de fuga:  e por esse fio , Fio do Afeto,  nossa mente também se liberta , horizonta e sara.

( imagem: belíssimo livro que relata o encontro de Nise & Espinosa, dois libertários que sempre incomodaram os tiranos de ontem e de hoje. Nise & Espinosa nunca serão esquecidos por aquelas e aqueles que lutam por uma “Mátria Antifascista”, pois eles (re)vivem em suas palavras e práticas)




 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/05/25/bolsonaro-veta-titulo-de-heroina-da-patria-para-nise-da-silveira

 


“Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa a contra mola que resiste.


Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade, decepado

Entre os dentes segura a primavera.”


( “Primavera nos dentes”, de Secos & Molhados)



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