Há cerca de 35 anos, o miliciano de
Brasília se lançou na política com o
seguinte lema: “Bandido bom é bandido morto”. Essa frase já era marca da
milícia aqui do Rio de Janeiro. Não por acaso, o reduto eleitoral do referido
indivíduo era nas mesmas áreas ocupadas
pela milícia.
Segundo esse “refrão miliciano”, o
oposto de bandido é o “homem de bem”. Ou
seja, a ideia de “bandido” tem larga acepção, e também servia para designar
aqueles que o miliciano via como seus inimigos: os políticos de
esquerda, os educadores que ensinam Paulo Freire, os Sem Terra, a Teologia da
Libertação, os sindicalistas, o povo preto e pobre das favelas , os moradores
de rua ( aos quais ele se referia como “vagabundos”), as lideranças dos
movimentos de minorias...
Enfim, todos esses e essas ele
estigmatizava como “bandidos” que subvertiam
os ideais conservadores dos “homens de
bem”, e completava: “ A única solução
para o Brasil é uma guerra civil que mate uns trinta mil bandidos...”
Hoje, desesperado em razão de sua
situação nas pesquisas eleitorais , o miliciano de Brasília resolveu voltar ao
seu refrão raiz para lembrar a todos o que ele sempre foi. Diante da chacina ocorrida
ontem feita por “sua PM” , o tal indivíduo retomou seu refrão-miliciano: “Bandido
bom é bandido morto”.
Inclusive, fazendo coro ao que
costuma dizer o miliciano , o chefe da PM
disse que a culpa da chacina é do STF, que teria protegido os bandidos da
favela ao impedir operação policial durante a pandemia.
Aliás , esse argumento não é novo: tempos
atrás, a Globo fazia a mesma acusação a
Darcy Ribeiro e Brizola por esses dizerem
que assim como a PM não podia invadir apartamento na zona sul, também ela não pode
meter o pé na porta de um barraco da favela, pois toda ação policial, não
importa onde aconteça, precisa de um mandato
da justiça. Mas a Globo insinuava que essa medida civilizatória era “proteção a
bandido”...
Não estou entrando no mérito da ação
policial de ontem aqui no Rio. Mas é clara a sua utilização política-eleitoral , inclusive com conotações escabrosas por parte
do nome da operação ( que diz estar atrás do chefe dos “vermelhos”,
referindo-se ao “Comando Vermelho”).
Além disso, nunca uma chacina pode
ser considerada um “sucesso”, a não ser por objetivos tenebrosos como aqueles do refrão
miliciano.
Isso me lembra aquela crônica de
Clarice Lispector na qual ela narra uma notícia de jornal que leu descrevendo o assassinato de “Mineirinho” com vários tiros
dados pela polícia: “o primeiro tiro já o acertou e matou; o segundo tiro foi por vingança, o
terceiro foi por ódio aos pobres, o quarto foi por pura maldade mesmo... e o último tiro me acertou”.
4 comentários:
Justiça dos Iguais & Vida Segura,
Vida na Marca, Direito na boca do povo.
Uma reflexão sobre o tema: “O que são as milícia no Rio de Janeiro?”.
Busquei alguma resposta, pensando no quanto essa questão remete a:
Como as milícias foram inseridas nos territórios?
Como as populações pariram e/ou nutrem as milícias?
Surgiram como uma resposta social à falta de segurança pública?
Seria uma oportunidade de negócios?
Uma atividade econômica?
Um movimento político que disputa o poder do Estado?
Vamos olhar de perto vários lados dessa história...o desenrolar desse fio. O ambiente humano no qual se passa a cena em debate é de pessoas descrentes de suas potencialidades e tangidas pela necessidade, buscando a sobrevivência. Vamos ver populações alijadas do interesse e das benesses dos seus governos, ocupando áreas esquecidas e desassistidas pelo poder público.
Essas populações até experimentaram organizar alguma territorialidade através de movimentos e associações de moradores que se incumbissem de prover serviços básicos e mesmo um registro informal dos imóveis para pacificar conflitos de propriedade. Não demoraram em cair sob o domínio de grupos armados autoritários e violentos.
Dominar um território é necessidade daqueles que o ocupam, se não fizerem outros farão. Dizer o que é o direito é ter jurisdição e controle da aplicação das leis. É dominar ou ser dominado.
Uma ideia de território fala de relação de espaço e poder, fala da posse, do uso e do desfrute do espaço onde vive uma população.
A conquista desses territórios por bandidos e/ou milicianos foi possível em razão de má organização da população (que não se incumbiu do exercício do seu poder) e do abandono pelas autoridades (que não levaram a efeito o devido exercício do poder a elas delegados). Estava criada a oportunidade; e, a população enfraquecida também apoiou algo que parecia lhe dar proteção.
Houve leniência de governantes que pensavam ganhar com esse controle político e econômico da região e, que preferiram compactuar com seus bandidos de estimação.
Esse pacto tácito e espúrio trouxe uma ilusão de segurança para muitos; também para as classes mais abastadas, em seus bairros e condomínios aparentemente protegidos daquela violência e arbitrariedade. Porém, a mão armada para garantir privilégios de outrem, eventualmente, vai trabalhar visando conquistar os seus próprios privilégios.
Tentarei expor meu ponto de vista entremeado de algumas perguntas.
Olhando a história, vejo que a Ordenação Jurídica e o Contrato Social podem produzir resultados autoritários e uma sociedade violenta, se forem articulados como meros contratos de adesão.
Poderia ser diferente, caso nossa população fosse empoderada para indicar os seus responsáveis locais pela Segurança e pela Justiça; ainda sob a égide do Estado?
A Justiça e a Segurança do Estado nas Mãos do Cidadão.
Cultura de Paz e Solução de Conflitos: a Justiça Nas Mãos da População.
Direito Consuetudinário e Cidadania.
Cidadania e Defesa do Estado.
A Cultura da Paz e suas ferramentas: Mediação, Justiça Restaurativa, Construção de Consenso, Círculo de Conversas, Conciliação, Arbitragem, Oficinas de Parentalidade, etc., poderia ser um bom começo para a construção, a afirmação e a disseminação de uma desejável autonomia da vontade popular, fortalecendo laços comunitários?
Imagino que seria um processo lento de aprendizado e gradual de apropriação de poder. No começo, talvez requeresse uma instância revisora dos atos praticados. Porém, “o combinado não sai caro”. Esse dito popular decorre da experiência em pactuar obrigações entre partes com autonomia para isso.
Quem foi chamado a combinar?
Quem foi chamado a cumprir a obrigação?
Qual é a disponibilidade do direito pactuado?
É desejável a Autonomia da Vontade?
Em tempos ancestrais, houve povos que mantinham seus territórios em regime de propriedade coletiva das terras que eram utilizadas num sistema de rodízio para cultivo e pastoreio. Todos usufruíam e todos defendiam. Tinham suas leis pautadas nos costumes e administradas por conselhos locais nas tribos, vilas, concelhos, cantões e marcas.
Exemplos de que essa influência perdura ainda hoje: a Convenção de Condomínio, a Terra Indígena, o Princípio da Função Social da Terra, o Tribunal do Júri, o Direito Consuetudinário, a Lei Orgânica do Município, a organização política e administrativa de cantões suíços, conselhos municipais, e outros.
Pergunto se, Ordenamento Jurídico, Regras do Direito e Administração da Justiça (para não se tornarem uma coisa enviesada capaz de configurar o Estado como instrumento de dominação) precisariam antes ser negociados com todos os extratos sociais envolvidos, sem exceção, e deveriam considerar necessidades e interesses, para assim vigorarem como Ordem Social emanada da autonomia da vontade e, serem estabelecidas consensualmente, sem imposição pela força.
Para que serve um oneroso aparato de repressão?
A defesa do Estado ou a defesa fa sociedade, não resultará eficaz, eficiente, efetiva e perene se não tiver suas bases num compromisso engajado de sua população.
Quem empunha a balança e a espada? A proveito de quem?
A começar por Justiça e Segurança; Direitos deveriam ser construídos e negociados, não conquistados pelas armas; menos ainda outorgados.
Fazer-me livre requer que eu me responsabilize, autonomamente, pelas minhas necessidades. Acertos, erros e correções de rumos são atributos de quem faz escolhas; bem como, somos tanto mais responsáveis quanto formos chamados a fazer as escolhas. A maturidade decorrente dos atos de vontade faz bem aos processos sociais humanos.
Não obstante minhas dúvidas, tenho a ousadia de intuir que: a partir de um movimento político de apropriação dos espaços e de competências de administração da Justiça e da Segurança (conduzido junto com a população)e, num realinhamento dos monopólios do Estado, possamos pacificar nossos territórios. Isso fomentaria um exercício da cidadania ativa e responsável por seu destino.
Enfim, se essa ideia lhe parecer razoável, peço que encaminhe a discussão com agentes capazes de produzir o melhor resultado que possamos alcançar, em benefício da nossa gente.
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