Tempos atrás fui convidado para dar
um curso de Direitos Humanos para as forças policiais da Bahia. Àquela época,
essas forças policiais eram consideradas
as mais violentas do Brasil. Os policiais não estavam no curso porque queriam,
e sim em razão de receberem benefícios ( frequentar o curso aumentava o soldo
deles) .
Quando entrei na sala no primeiro dia
de aula, reparei que a maioria estava
armada , pois muitos vinham de operações policiais ou estavam indo para
uma. Antes mesmo de eu me apresentar, uma agente de segurança me fuzilou com
uma pergunta : “O senhor já subiu uma favela?” Respondi indo ao quadro para
escrever uma frase de Nietzsche, que usei como escudo para
me proteger daquele fuzilamento feito
com palavras preconceituosas. Foi esta a frase de Nietzsche que escrevi no quadro: “Quando queremos lutar contra as
monstruosidades que existem no mundo, devemos tomar o máximo cuidado para que
nós mesmos não nos tornemos monstros.”
Depois respondi que não só já subi o
morro de uma favela , como também já morei no alto de uma: morei no Morro dos Macacos, em Vila
Isabel, terra da Escola de Samba Vila Isabel, berço de poetas. Morei lá quando
era estudante de filosofia na Uerj, que fica ali perto. Várias vezes subi o
morro com Nietzsche e Espinosa na mão, pois são essas as armas nas quais
acredito , e é com elas que luto.
A monstruosidade de que fala Nietzsche não é
apenas a violência física , a monstruosidade também é a brutal e desumana injustiça social que produz a opulência
gananciosa de riqueza para poucos, ao mesmo tempo condenando milhões à miséria. A monstruosidade
também é a falta de creche e escola para as crianças da favela, roubando-lhes o
futuro; monstruosidade também é a milícia que veste uniformes da polícia.
Monstruosidade maior é um presidente miliciano-genocida.
Quando o curso terminou, senti que muitos
me apoiaram , isto é, se desarmaram. Um
deles, inclusive, me mostrou um quadro de aviso que ele havia feito com um
pedaço de lousa de mais ou menos um metro quadrado . Ele me
disse que ia afixar o quadro no mural de avisos da delegacia dele. No quadro
feito por ele estava escrito: “Quando queremos lutar contra as monstruosidades
que existem no mundo, devemos tomar o máximo cuidado para que nós mesmos não
nos tornemos monstros.”
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