A palavra “hermenêutica” vem do grego
e significa “interpretação”. No coração de hermenêutica há um nome próprio:
“Hermes”. “Hermenêutica” : “arte
relativa a Hermes”. Quando Dioniso foi despedaçado por seus carrascos , Hermes guardou
de Dioniso o coração , semente da arte
de renascer. Deus mensageiro, Hermes agora também transportava o coração como
mensagem primeira . Simbolicamente, isso significa que o sentido das mensagens que
alguém lê e interpreta depende , em primeiro lugar, do coração que a pessoa tem
: se o coração for pequeno, apequenará o
sentido; se o coração for generoso, enriquecerá a mensagem ; se o coração for ignorante, surdo será a
toda mensagem; se o coração for sábio, aprenderá a ouvir a mensagem ( por mais
simples que a mensagem seja).
A Constituição Brasileira está
fundada na seguinte mensagem: a “Dignidade
da Pessoa Humana”. Essa mensagem tem sentido
político, social, sanitário, educacional...O coração dessa mensagem é a ideia
de “pessoa”. Mas pessoa não é o mesmo que
ego, tampouco é uma dimensão apenas individual-neoliberal. A própria
linguagem nos auxilia a compreender a
dimensão plural da pessoa, pois existem
seis pessoas: as três pessoas do
singular ( eu, tu , ele) mais as três pessoas do plural ( nós, vós , eles).
Deleuze afirma que há ainda uma “quarta pessoa do singular”,
a que se expressa no pronome reflexivo “se” ( como em
“pensa-se”).
Assim, a “pessoa humana” não é apenas
o “eu”, ela é também o “nós”. Quando a
pessoa individual sofre uma injustiça ou se vê no hospital à beira da morte por
culpa de um governo genocida, é a pessoa coletiva “nós” que também se vê
ameaçada e atingida, pois faz parte desse nós aquela pessoa que o poder trata como mera estatística. Uma das características
de todo poder genocida é tratar o nós, o nós coletivo e plural, como um
“eles”. Pois o pronome “ele” também pode ser aplicado a uma coisa, como na
frase: “onde guardei ele, o celular?” . O
poder genocida reduz toda pessoa ao
“ele” da coisa : para fazer da morte de uma pessoa apenas um
“CPF cancelado”...
O que caracteriza toda pessoa , e a
distingue das meras coisas , é a
capacidade de pensar, sentir e agir. Não é apenas a primeira pessoa do singular
que é capaz disso, também é capaz a primeira pessoa do plural, o nós. Não é somente
o “eu” que tem coração, o nós também
precisa ter, pois é desse coração coletivo que podem nascer empatias, agenciamentos e
a interpretação ativa do que precisamos
fazer para mudar uma situação de indignidade e opressão. “Coragem” vem do latim
“cor”: “coração”.
Assim, pensa pouco quem apenas diz ensimesmado:
“Eu penso, logo existo”. Espinosa ensina que há mais potência libertária quando
conjugamos o pensar , o sentir e o agir na primeira pessoa do plural , pois o
coração da democracia é esta mensagem:
“nós devemos pensar, sentir e agir coletivamente
para tornarmos nossa existência social digna”.
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