Fala-se muito hoje
da “condição líquida” das relações
humanas. Esse “mundo líquido” revelaria uma carência de consistência e firmeza, tornando tudo inconstante , narcísico, superficial e volúvel ao extremo, das relações afetivas à política. Tudo é feito para consumos
rápidos, e com a mesma velocidade descartado.
As realidades líquidas só tomam forma quando moldadas por um recipiente. Esse molde-recipiente pode ser uma opinião, uma “Verdade” , um Dogma. Quanto
mais rígido , mais o molde-recipiente dá a ilusão ao
líquido de que ele , enfim, se tornou alguma coisa sólida . Mas um líquido estagnado logo se turva, assim como a mente estagnada pela ignorância .
Muito diferente desse “mundo líquido”
é a “água-fluxo” de que fala Manoel de Barros : “Sou água que corre entre
pedras: liberdade caça jeito.” Essa água é a vida inaprisionável que nasceu de uma fonte e busca o oceano , seu horizonte aberto, com a
máxima potência que pode. As pedras são os obstáculos que tentam pará-la, negá-la, desacreditá-la , mortificá-la...Porém
a água corre e persevera , criando meios para não deixar
morrer seu fluxo livre.
Enfim, essa água de que
fala o poeta tem consistência, embora não seja rígida; ela é firme em seu
avançar, por isso não é estática como a pedra. Quando moldes tolhedores a
ameaçam, ela arranja forças e transborda , produzindo uma linha de fuga para que a gente também avance fluindo com ela.
Segundo o filósofo Deleuze, “ linha de fuga” não é fugir de algo por medo , linha de fuga é libertar a nós mesmos de todo molde estreito que seja menor do que aquilo que podemos ser e alcançar, individual e coletivamente.
“A cisterna contém;
a fonte transborda.” (Blake)
- "Libertango": o tango como um fluxo sonoro que se liberta:
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