Quando comecei a ler e escrever sobre
o poeta Manoel de Barros, há trinta anos, além de ele ser pouco conhecido,
havia também certo preconceito redutor contra sua poesia, sobretudo por
parte da academia. Eu mesmo cheguei a
ouvir da boca de um famoso e midiático
professor de literatura à época que “a poesia de Manoel é algo apenas regional”, uma “curiosidade
folclórica”. Mas como diz Espinosa, “muitas vezes a opinião de alguém sobre
algo revela mais desse alguém do que do algo”. Hoje, Manoel é um dos poetas
mais estudados pela academia, são realizadas inúmeras dissertações e teses
sobre sua poética, e não apenas no âmbito da Letras.
Eu ainda era estudante de filosofia
quando li pela primeira vez Manoel. Quando lemos algo que muda nossa vida, a
gente não apenas lê, a gente também é lido, e encontra na palavra lida um
sentido que vai além das palavras, um sentido que também dá voz a algo que em
nós até ali estava mudo , sem voz. Ao ler Manoel, experimentei o que Deleuze chama de “noochoque”,
“choque de pensamento”.
O mesmo Deleuze afirma que “mais
importante do que o pensamento é o que dá a pensar, mais importante do que o
filósofo é o poeta.” Mas não creio que Deleuze se referia apenas a duas pessoas
diferentes, um filósofo e um poeta. Creio que ele também fala de um mesmo
pensador que, sendo filósofo, também é poeta. E é o poeta, aquele que pensa
sentindo a vida e o mundo, que deve vir primeiro naquele que filosofa. Nem todo
filósofo traz nele um poeta, isso é certo. Mas quando traz, a filosofia salta
os muros da abstração e alcança a vida , tornando-se também algo que afeta
mesmo aqueles que nunca se sentiram
atraídos pelas abstrações dos conceitos filosóficos.
Por outro lado, creio que há poetas
que também são filósofos, poetas assim fazem pensar, um pensar que potencializa
o sentir. Nem todo poeta traz dentro de si um filósofo, isso é certo. Mas
quando traz, o poeta se torna um pensador.
O filósofo traz dentro de si
conceitos, e depois busca a melhor
palavra para expressar o conceito que ele pensou. Às vezes, ele substitui a
palavra antes usada para expressar um conceito, pois o importante para ele é o
conceito. Já o poeta-pensador fecunda a palavra e a deixa grávida de conceitos
a serem descobertos. São conceitos ainda em “embrião” , mas que vêm à vida
quando a gente os lê e sente,
fecundando-nos também. O filósofo veste a palavra com a roupa formal
das abstrações, mas o poeta desnuda a palavra com o consentimento e amor
dela, e descobre seu corpo nu: “A
palavra abriu o roupão para mim, ela quer que eu a seja.” (Manoel de Barros)
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