sexta-feira, 7 de maio de 2021

sobre um bom encontro...

 

O filme “Um dia muito especial” , obra-prima de Ettore Scola, mostra a visita que Hitler fez a Mussolini no dia 6 de maio de 1938. O nazista e o fascista tramavam para começar a funesta guerra.

A macropolítica ensinada nos livros de história é feita de milênios, séculos , anos... Mas a micropolítica se revela no âmbito dos dias , das horas e dos encontros que  fazemos diariamente. Foi o filósofo Espinosa quem melhor pensou a natureza micropolítica dos “encontros”. Os   “bons encontros”  nos potencializam e dão força , já  os “maus encontros”   querem nos adoecer e envenenar , literal ou simbolicamente.

Apesar do pano de fundo macropolítico sombrio, o filme mostra um bom encontro singular  e transformador   entre uma mulher ( Sophia Loren), reprimida por seu marido machista e fascista, e seu vizinho ( Marcello Mastroianni) , um homoafetivo que era perseguido no trabalho e pela vizinhança por sua condição homoafetiva. Entre eles nasce mais do que uma amizade, nasce a compreensão de que a política também é uma questão de afetos , e que uma das formas que o poder autoritário tem para nos fragilizar é tentando nos entristecer, tolher, culpabilizar, pôr de joelhos.

Sob a macropolítica do poder nazifascista, são construídas entre ambos pequenas linhas de fuga micropolíticas como resistência político-afetiva ante as   faces horrendas  da cabeça autoritária que os ameaçava e perseguia.

A face macropolítica do nazifascismo, identificada aos rostos de Hitler e Mussolini, a história nos mostra seus trágicos contornos. Porém, a face micropolítica do nazifascismo é ainda mais triste porque ela se revela nas pessoas autointituladas  “normais”  e “de bem” ,  que emprestam seus rostos para que a intolerância e a ignorância tenham uma cara persecutória  capilarmente inserida no campo social cotidiano. Para si mesmas e para os outros que lhes são diferentes, essas pessoas  se tornam um  “mau encontro”. Do mau encontro nascem o ódio, a ignorância, a estreiteza, o preconceito, o ressentimento.

Enquanto Hitler e Mussolini desfilavam fardados e armados de mãos dadas  , parte  do povo batia palmas  e os seguia cega e obedientemente, ignorando  que aquele desfile era um cortejo fúnebre puxado pelos seus próprios carrascos. E o mais trágico para nós é constatarmos a triste semelhança entre aqueles servos voluntários  do passado  e os alienados  que hoje idolatram o genocida  naquele cercadinho em Brasília para gado aferroado.

No filme, a única atmosfera humana e respirável  acontece quando a mulher e seu amigo homoafetivo se encontram. Curiosamente, seus dramas também nos lembram os nossos, suas questões  soam mais do que contemporâneas , suas angústias parecem as que hoje sofremos...E é na arte que eles encontram um meio para se curarem, respirarem e manterem viva uma perseverante alegria de que aquele pesadelo um dia vai passar.






 

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