Manoel de Barros só escrevia à mão
sua poesia, e sempre a lápis. Nunca lapiseira de plástico, sempre lápis de madeira. Curiosamente, “digitar” é
um ato que faz parte da atividade de “bater”, “golpear”. Quem digita, bate com
os dedos nas teclas. Escrever à mão expressa outro tipo de movimento: desenhar.
Quem escreve agencia sua mão com o corpo do lápis, e por intermédio deste é nosso corpo que também
escreve, com seus nervos e fibras, incluindo as do coração. Quem escreve à
mão desenha, parecendo às vezes que o
lápis também dança na ponta de seu grafite, como a bailarina equilibrada na ponta dos pés. Para que na
palavra também se expresse a vida, mais
adequado é o lápis do que a caneta: a
tinta que sai desta é coisa química, mas o grafite que o lápis liberta veio da
imanência da terra, é vida. O cérebro não funciona da mesma maneira quando se
digita e quando se escreve à mão, quando se bate e quando se desenha, quando se
golpeia e quando se dança. Há certa violência em bater-digitar. Talvez essa
seja uma das razões que explique porque
os fascistas gostam tanto de violentar também as teclas e, por
intermédio destas, as ideias, encontrando no meio digital um ampliador de suas
violências físicas e simbólicas. Além disso, sem que saibamos, há o risco de tudo o que digitarmos nas redes sociais o capital cibernético reduzir a algoritmos , para assim nos oferecer como
mercadoria aos novos mercadores de gente, sempre ávidos por inescrupulosos
lucros.
Na madeira do lápis do
poeta ainda vive e resiste a árvore que
um dia fez parte do Pantanal que os criminosos hoje incendeiam , para
tudo reduzir a pasto de
gado obediente . Por intermédio
do lápis do poeta continuam a falar as árvores, as florestas, os bichos, as
plantas, os pássaros , as paisagens, os horizontes ...enfim, fala tudo aquilo
que os destruidores da vida querem calar e matar. Nada contra o digitar, porém escrever à mão, a
lápis, é ato mais afim ao poema que , como gente, também nasce: “Na ponta do
meu lápis há apenas nascimento”, escreve o poeta.
( imagem: Manoel , seu Pantanal e montagem com lápis. O verso gravado
no lápis e o desenho são do próprio
poeta)
- a música "Passaredo", de
Chico & Francis Hime, também é uma metáfora comparando os poetas, os músicos, os cantores,
enfim , os artistas em geral a passarinhos canoros. A expressão "bico
calado que o homem vem aí" é uma referência aos milicos da ditadura e
seus adeptos.
- o verso do poeta citado na postagem se encontra neste ( excelente ) livro:
- sobre a importância da escrita à mão no desenvolvimento mental da criança:
Nenhum comentário:
Postar um comentário