Um dos últimos filmes de Glauber
Rocha se chama “História do Brasil”. O filme não foi concluído, infelizmente (
o cineasta faleceu antes de terminar a obra). É uma das melhores histórias do
Brasil já feitas, pois narra acontecimentos que a história oficial não conta e
esconde. E os fatos que a história oficial conta, Glauber os vê de uma
perspectiva nova, sempre agenciando crítica e criatividade como instrumentos de
um pensar inquieto, questionador, não conformado. No filme, as imagens
acompanham a voz que narra os acontecimentos. Cada acontecimento narrado ,
portanto, é ilustrado por imagens que simbolizam aquele acontecimento, na visão
de Glauber. Quando chega ao ano de 1964 e começa a abordar o golpe militar ,
Glauber ilustra esse abominável episódio de nossa história com as imagens do
primeiro culto acontecido no Brasil de uma igreja que ,hoje, apoia Bolsonaro e
faz “arminha” com a mão apontando para Cristo. Essa igreja vinha do sul dos
EUA, região dominada pela mentalidade escravocrata, conservadora e
segregacionista. O tal culto aconteceu na Praça da Sé, exatamente em 1964, logo
após ao golpe. Essa praça foi escolhida pelo seu simbolismo político associado
aos comícios que ali aconteciam reunindo trabalhadores, estudantes , enfim,
gente do povo querendo gerir seu destino. A entrada desse tipo de discurso
teológico-político aqui no Brasil também foi uma estratégia dos milicos para
cassar a influência de setores progressistas do catolicismo, seguidores da
mensagem de São Francisco. Assim, o objetivo dos militares era igualmente
perseguir certas práticas religiosas que buscavam a justiça social,
representada à época pela defesa da reforma agrária. Um fato chama a atenção
nesse culto teológico-político: o chamariz para o culto não era falar da ajuda
aos pobres ou caridade. Duas ideias moviam a fala dos pastores ( alguns estadunidenses,
inclusive): a prosperidade, simbolizada pelo terno impecável dos pastores, e a
"expulsão do demônio". Glauber mostra então as imagens dos pastores
“tirando” o demônio daqueles que ali estavam: todos os “exorcizados” eram
negros e pobres. O “demônio” era tudo aquilo que impedia adentrar no rebanho...
“A obediência traz a prosperidade”, pregava o pastor enquanto dava uma piscadela
de olho para o milico armado que a tudo acompanhava . Enquanto mostrava as
cenas desse culto, em off Glauber falava de AI5, censura, imperialismo
americano, mídia vendida, minorias perseguidas, cerceamento de direitos...
(Obs: a cena da piscadela do pastor
teológico-político para o milico não está no filme, ela surgiu aqui na minha
mente quando revi esse filme à luz do que acontece hoje neste nosso obscuro
presente... Como não achei o cartaz do “História do Brasil”, coloco aqui o
cartaz de outro filme imperdível de Glauber. "Teológico-político" é um expressão que vem de Espinosa. Teológico-político é todo poder que instrumentaliza a política para fins de poder religioso, instrumentalizando também a religião para fins de poder político. Poder teológico-político não é prática de uma religião específica, pois tanto o Estado Islâmico quanto o que acontece hoje no Brasil são formas de poder teológico-político)
Nenhum comentário:
Postar um comentário