sábado, 26 de setembro de 2020

linhas de fuga

 

Certa vez uma pessoa me perguntou o que era a “linha de fuga” ensinada por Deleuze , Guattari e Cláudio Ulpiano. Tentei responder da seguinte maneira: uma linha de fuga não é exatamente fugir ou escapar de algo, mas fazer fugir algo que está aprisionado, cerceado , sufocado. O importante mesmo é a linha, pois muitas vezes é a linha que se encontra presa, limitada. Antes de tudo, linha de fuga não é uma ideia teórica, linha de fuga é uma prática :algo que só existe se for criado, feito, produzido, ousado. Dei então o seguinte exemplo: Arthur Bispo do Rosário vivia preso não apenas entre as paredes de um hospital psiquiátrico, pois ele também estava cerceado dentro dele mesmo. No hospital, vestiam seu corpo com um uniforme, uma vestimenta padrão que igualmente vestia os outros internos, homogeneamente. Até que certa vez Bispo do Rosário ficou nu, tal como um recém-nascido, e começou a desfazer a forma do uniforme que o poder lhe vestiu. Ele desfez a forma que dava ao uniforme um significado específico e determinado. Ele destruiu a forma porque ele queria encontrar a linha, a linha que estava presa naquela forma-uniforme, assim como ele mesmo estava preso na incomunicabilidade da exclusão radical. Nietzsche dizia que “Só podemos destruir sendo criadores.” Bispo do Rosário destruiu a forma-uniforme porque queria criar algo com a linha-fio de que o uniforme era feito. Ele também desfez as toalhas, os cobertores...até achar o fio do qual tudo é feito. Ele enrolou então os fios até formar um novelo colorido. Depois, pegou um lençol branco que até então cobria seu corpo sofrido como se fosse uma mortalha, e fez desse lençol branco uma tela para nela bordar , com os fios, uma história, a sua história, que é também a história dos explorados, dos injustiçados , enfim, a história daqueles que a História dominante apaga e torna invisível . Os fios puxados do novelo se assemelhavam ao fio de Ariadne que vence labirintos tidos por invencíveis. Arthur Bispo do Rosário desfez o uniforme padrão para dele fazer fugir uma linha para bordar sua diferença e singularidade, que assim conquistou uma fala. Com sua bordadura libertária-artística, ele expressava uma linha de fuga que é inspiração para que nunca desistamos de fazer também nossas necessárias e urgentes linhas de fuga , por maior que seja o labirinto que nos cerca , por maior que seja a ameaça dos que idolatram uniformes, rebanhos e fardas.







"Minha casa pegou fogo, o teto ruiu...Nada me esconde mais a deslumbrante lua. " ( Koan japonês)




                                                                 ( um respiro...)

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