terça-feira, 29 de setembro de 2020

os semeadores e a motosserra

 

O filósofo Leibniz dizia que se a gente prender uma semente na mão,  com o tempo ela apodrece. Mas se a gente plantar a semente, cuidar e cultivar, dela nascerá uma árvore. Da árvore nascerão incontáveis frutos : dentro de cada um, uma nova semente. Se a gente plantar essas novas sementes,  delas nascerão outras árvores, cada uma com inumeráveis frutos, cada um grávido de novas sementes. Naquela primeira semente havia virtualmente uma floresta inteira , uma floresta-potência, assim como  em uma criança está a humanidade à espera de crescer. Pois humanidade não é uma quantidade numérica afim a   rebanhos, mas uma potencialidade inseparável de nossa singularidade, e   que se cultiva com educação, afeto  e liberdade . Para uma potencialidade florescer, da semente ou de uma criança, é preciso um exercício de cuidado e um espaço aberto livre de estreitezas. Dentro de uma ideia viva  há outras ideias, infinitas ideias, pois toda ideia viva é plural e múltipla, já nos ensinava Espinosa.

A motosserra literal com a qual se armam os fascistas para derrubarem as florestas, essa motosserra literal é a abominável e criminosa  representante de outra motosserra,  uma motosserra simbólica com a qual os obscurantistas ameaçam as florestas virtuais ainda nem nascidas, nas crianças e em nós.  Tanto num caso como noutro, o objetivo é desertificar  a floresta, desertificar  as ideias , para assim fazer “passar a boiada”  e tudo tornar rebanho dócil.

Enquanto os obscurantistas se armam com motosserras, educadores, poetas e  artistas   plantam ideias-sementes libertárias . E sempre continuarão plantando, mesmo que em torno cresça o deserto. Indignação e resistência também são  sementes. E que não tarde a ação que precisa germinar  delas.


“Poeta é ser que vê semente germinar.

Nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol. ”

(Manoel de Barros)


( imagem: "O semeador" / de Van Gogh)

É interessante como que nessa obra de Van Gogh o próprio sol parece um girassol que acabou de brotar de uma semente . A semente da qual brota o sol é o próprio céu aberto ( que o sol inunda de um amarelo vivo, incontível...). O sol da pintura é sol nascente, sol que inaugura um dia novo: carpe diem. Perto desse sol, uma casinha simples, azul. Talvez seja ali que more o semeador, que escolheu fazer  morada perto do horizonte. Ele semeia em uma paisagem aberta, “horizontada”, como diria Manoel de Barros. Assim como naquela terra, algo em nós é semeado.


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