Eu nasci de cesariana. Para
justificar a necessidade da cesariana, o médico disse à minha mãe que eu estava
numa posição diferente no ventre dela, parecia que eu queria , ao invés de vir
para fora, parecia que eu queria ir para dentro do coração de minha mãe...
Mal sabia o médico que lá de dentro do
ventre de minha mãe eu ouvia vozes muito estranhas vindas de fora , vozes de
gente autoritária e cheia de ódio, vozes de censura e ameaça. Eram as vozes dos
milicos da ditadura que dominavam o país àquela época.
Querendo me afastar daquelas vozes
falocráticas, fui cada vez mais em direção ao som do bater do coração de minha
mãe, hino amoroso de Gaia e Pachamama, símbolos da Mãe-Terra. Eu queria ir para
dentro do coração da Mãe-Terra e nascer dentro dela, pois ali os cultuadores da
morte não alcançam.
Sócrates dizia que a filosofia é uma
espécie de “maiêutica”. A palavra “maiêutica” significa : “arte de partejar e
trazer ao mundo”. Em Sócrates, o parteiro é a razão. Que me perdoe o grande
filósofo grego, mas nascem com mais amor à vida os que são partejados pelo coração da Mãe-Terra,
expresso na mãe pessoal de cada um.
Mas descobri que o coração não tem
porta: aqueles que nos amam de verdade já nos trazem lá dentro do coração deles desde toda a eternidade, ensina Espinosa. Esse
guardar no coração é a prática mais potente do cuidado com o outro de nós
diferente, seja esse outro o filho, o
amigo ou simplesmente o outro cidadão, espelho da alteridade.
Os médicos tiveram dificuldades para
me tirar lá de dentro de minha mãe...rs...Só aceitei sair quando consegui
trazer o coração da Mãe-Terra comigo, para ser meu escudo para me proteger na luta contra os
inimigos do pensamento, da alegria, da educação, da
arte, enfim, os inimigos da vida.
E descobri que com esse escudo nunca
se luta sozinho: pois atrás desse escudo sempre vêm se juntar os que lutam do
lado certo.
( imagem: “O abraço amoroso de
Pachamama”/ Frida Kahlo)
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