quinta-feira, 25 de maio de 2023

geopoesia

 

Um dos meus versos preferidos  de Manoel de Barros é aquele no qual ele diz: “Poesia pode ser que seja fazer outro mundo”. O coração desse verso é a palavra “fazer”. Não por acaso, o sentido original de poesia é “fazer” ( “poiésis”).

Infelizmente, nem sempre é ensinada nas escolas e academias essa relação   umbilical e imanente entre “poesia” e “fazer”. Isso se deve  a duas questões que estão interligadas: 1- certa visão romantizada da poesia; 2- uma concepção  estreita do “fazer”, identificando-o  com  o mero   utilitarismo   “objetivista” e “mercadológico” que se diz “neutro politicamente” , e que só crê ter  valor aquilo no qual se pode pôr um preço.

Porém, não há prática “neutra”, toda prática é política: por isso, sempre são úteis  aos piores poderes as práticas que se dizem “apolíticas”.

Desse utilitarismo rasteiro, inclusive,  nasce uma ideologia tecnicista  que, de mãos dadas com os negacionistas da política, estão sempre ameaçando com suas cicutas a vida pensante que ainda lhes resiste nas escolas e academias.

Mas poesia é prática não só de criar versos, ela também é ação de produzir novos modos de vida. E todo modo de vida pressupõe uma terra. Não há modo de vida concreto que se construa esperando por outra vida no   “Céu”, pois todo  modo  de vida pede uma terra aqui e agora para ser ocupada ,  vivida e cultivada, para dela ser extraído  não só o pão que alimenta o corpo, mas igualmente  o pão que alimenta o espírito.

“Companheiro” vem de “com-panis”: "aquele com quem dividimos o pão ( panis)". Tornam-se companheiros aqueles que aprendem a dividir os "dois pães": o pão que vem do trigo cultivado na terra e o  pão que nasce do afeto partilhado nas lutas coletivas por dignidade, arte e educação . Esse último pão cresce e se multiplica quanto mais nele pomos o fermento da consciência social crítica , ativa e solidária.

Como mostra o belo livro “Sem terra com poesia”, a luta pela terra também se faz com poesia. Não há como fazer outro mundo, outro mundo em todos os sentidos, mundos sociais e subjetivos, sem compreendermos  que a poesia autêntica é sempre construção de mundos: mundos que sejam, antes de tudo,  uma  terra plural sem cercas , uma terra horizontada como resistência ativa  ao agro-fascismo e seus cúmplices.




 



Nenhum comentário: