Manoel de Barros define sua poesia
como uma “Estética da Ordinariedade”.
Mas a “ordinariedade” de que fala Manoel nada tem a ver com o “ordinário” das coisas ética e politicamente
infames.
Curiosamente , a ideia de “ordinário” vem da matemática, assim como a noção de “extraordinário”. Na matemática,
os “pontos ordinários” de um triângulo são
os inumeráveis e indistintos pontos que ocupam cada um dos lados da figura, ao
passo que seus três “pontos extraordinários” ou “singulares” localizam-se em
cada ângulo do triângulo. Em uma reta, por sua vez, os pontos extraordinários
são dois: os que ocupam os extremos da linha.
Mas
a relação entre ordinário e
extraordinário mostra toda a sua riqueza quando examinamos o círculo. Tal
figura geométrica parece destituída de pontos extraordinários ou singulares.
Geralmente se costuma dizer que nossa
vida é um círculo: o círculo de nossa vida. Então, estaria o círculo de nossa
existência destituído de momentos singulares? Estaria nossa vida refém do
ordinário?
Porém
o círculo guarda um segredo, tanto na matemática como na vida: qualquer
ponto ordinário seu pode metamorfosear-se em ponto extraordinário, se por ele
passar uma “tangente”.
“Tangente” significa: “ o que toca ou
afeta”. Na matemática, a tangente é uma linha que , vindo de fora, toca o
círculo, compartilhando com ele um mesmo ponto, abrindo-o.
Na vida há tangentes também: uma
tangente pode ser qualquer coisa que, como “linha de fuga”, potencialize o sentir e o pensar, desabrindo-os. Em Manoel de Barros,
“desabrir” é abrir-se para horizontes , externos e internos.
“Linha de fuga” não é fugir de algo,
mas fazer fugir algo que estava aprisionado : ao desfiar o uniforme de louco que o poder normalizador
lhe punha, Arthur Bispo do Rosário queria encontrar o fio que o uniforme
aprisionava , para assim libertar o fio da forma acostumada, libertando assim a
si mesmo, e com o fio livre bordar sua história nunca antes contada.
Um fio assim se torna linha de fuga e tangente
para bordar Potências expressivas que também se tornam remédios para a saúde da mente.
Toda tangente abre o que está fechado,
deixando entrar luz, ideia ou ar. No encontro da tangente da poesia com o círculo de nossa vida , este
é tocado e se abre, o suficiente para um pouco de vida de novo entrar.
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