sexta-feira, 5 de maio de 2023

o menino e a Rainha

 

Os jornais estão noticiando a coroação do Rei da Inglaterra. Como sou simpatizante de Bakunin...rs...( e como o monarquismo brasileiro é um dos sustentáculos do miliciano-fascista), esse culto à monarquia colonialista  me lembrou uma história:

Tempos atrás, um amigo me perguntou se eu aceitaria lecionar filosofia para seus dois filhos, um de 10 anos e outro ainda mais jovem. Aceitei. O curso era para durar 1 mês, acabou durando 1 ano.

O mais velho se chamava Alexandre, carinhosamente rebatizado “Xandinho”. Certo dia , ele e o irmãozinho estavam brigados. Aproveitei para dizer ao Xandinho: “você sabia que ‘Alexandre’ significa ‘protetor da humanidade?’”. Ao ouvir isso, ele olhou para o irmãozinho e, sem dizer nada, o abraçou com cuidado .

Naqueles encontros, eu “ia até à infância e voltava”, como diz Manoel de Barros, e aquele que ia não era o mesmo que retornava. E o que voltava vinha de lápis de cor na mão, e aprendia que as ideias que valem a pena ensinar se deixam desenhar com lápis de cor.

Algumas ideias eu ensinava falando, outras eu desenhava para eles colorirem: a forma era minha, mas as cores eram eles que escolhiam para pintar, com as mãos livres . E eles coloriam sempre multicoloridamente, nunca em preto e branco.

Perto do fim do ano, houve um feriadão. Toda a família desse amigo viajou para Londres, incluindo os dois meninos. No retorno, assim que entrei no apartamento, o pai pediu para o Xandinho me contar  o que aconteceu em Londres, mas o menino saiu correndo, como se tivesse feito uma arte, uma “peraltagem”, diria Manoel de Barros .

Eles foram ver, entre outras coisas, a cerimônia na qual a Rainha da Inglaterra passa à frente do público, e todos se ajoelham em reverência, olhos no chão. Então , o pai mesmo me contou o que aconteceu: quando a Rainha , cheia de pompa e ouro, passou diante deles, todos se ajoelharam diante de seu poder, exceto o Xandinho. Ele ficou de pé, de braços cruzados, firme, olhando diretamente para a Rainha, que virou a cabeça para olhar , espantada, o pequeno insubmisso-rebelde.

Quando a mãe indagou ao menino porque ele não se ajoelhou como todo mundo, ele respondeu : “Não ajoelho diante de quem é igual a mim”. Ao ouvir isso, a mãe disse ao pai: “acho que já está na hora de nosso filho parar de ter aulas de filosofia...”.

Nesse mesmo dia em que ouvi o relato, dei minha última aula aos garotos. No fim, o menino da peraltagem me perguntou: “Vai ter prova?”. Respondi: “Não , você já está aprovado. Com dez.”

Como ensina Kierkegaard: “O homem seria metafisicamente grande se a criança fosse seu mestre.”

( este livro conta a história de um pequeno  pardal que o filósofo Espinosa encontrou caído no chão,  fora do ninho. Espinosa cuidou do pardal, fortaleceu suas asas e o libertou, dando  o seguinte nome ao seu amigo-pardal: “O Rebelde”).




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