quinta-feira, 2 de março de 2023

o nascimento da "Theoria"

 

Segundo a mitologia, assim nasceu a “Theoria”:

Zeus às vezes se comportava como um machista ao  usar artimanhas para enganar  Hera, sua companheira. Desejando  conhecer  as faces que Zeus lhe ocultava, Hera quis ter olhos mais potentes para saber como Zeus  agia e se comportava quando não estava sob o olhar  dela.  Hera  desejava vencer a ignorância  e  encontrar um meio de ver Zeus de forma mais ampla.

Então, Hera  pede ajuda a Panoptes, cujo nome significa “visão por toda parte” ( a  palavra  “panóptico” , termo empregado por  Foucault,  origina-se de “panoptes”).

Para ser o instrumento de potencialização dos olhos de Hera,  Panoptes  se metamorfoseou então num animal : o pavão, em cuja cauda há infindáveis olhos desenhados.

Quando se abre em leque, a cauda do pavão lembra , na forma e cores, o nascer do sol. Por isso, em muitas culturas a cauda do pavão aberta é o símbolo da “iluminação espiritual ” que vence as trevas. 

Os incontáveis olhos do pavão apreendiam  Zeus por vários ângulos, e viam até mesmo as faces ocultas que são incapazes de ver apenas dois olhos. 

Os gregos chamaram de “theoria” a esse olhar que vê a realidade sob várias perspectivas, e não apenas a partir do ego. “Theoria” tem a mesma raiz de “theatro” : “lugar para  ver ”.  

O oposto de theoria é  “doxa”, a mera opinião. A doxa/opinião olha para as coisas fiando-se apenas nos dois olhos que cada um tem, reduzindo a complexidade da realidade   a uma narrativa estreita e pobre. Comparada com a theoria, a doxa é uma espécie de cegueira da alma.

O “lugar de fala” também deve ser um lugar onde se exerça o olhar: o  olhar  no qual nasce o sol do conhecimento  deve sempre expressar um lugar social plural  que promova a educação emancipadora, antídoto da intolerância e da idiotia obscurantista.

Do lugar estreito da  “doxa” quase sempre  nasce uma fala egoica e reativa.  Quando essa fala adquire poder político ou militar, torna-se uma fala autoritária e persecutória das falas  diferentes dela. 

Assim compreendida , a teoria não é abstração, e sim  o que une ideia e ação. Os meios de luta da teoria são  o lápis, o caderno,  os livros, a pesquisa, o ensino e o aprendizado; já a opinião reativa se arma com  intolerâncias, fanatismos, ignorâncias...E quando se sente acuada, a opinião ressentida nos ameaça com armas literais mesmo, como as que usam os milicos e a milícia.

Potencializando nosso olhar, a teoria emancipadora, ao mesmo tempo crítica e criativa,  procura abarcar a realidade  sob várias e diferentes perspectivas, e é por isso que da teoria assim compreendida  nascem  a educação, a ciência e a filosofia .


( este livro é apenas uma sugestão de leitura, tive a alegria e a honra de ter sido aluno do grande  Junito)




(Imagem: "Hera, Zeus e o pavão" / fragmento de uma pintura de Rubens)



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