sábado, 11 de março de 2023

quintal celestado

 

Além de poeta, Manoel de Barros é um grande pensador,  um dos maiores que já tivemos.

Às vezes um pensador cria uma ideia nova sem que exista ainda na língua uma palavra que corresponda a essa ideia nova. A ideia assim criada é como uma alma nova para a qual ainda não nasceu o corpo que possa abrigá-la.

Quando isso acontece , o poeta sente a necessidade de criar uma palavra nova para ser o corpo da ideia que  lhe nasceu.

O poeta cria então um neologismo. Essa palavra significa:  “novo logos”. Em grego , “logos” tem por sentido tanto palavra quanto pensamento.

Assim, o neologismo em Manoel não é apenas uma palavra nova, o neologismo é uma alma nova que nasceu no poeta, alma que ele parteja dando a ela um corpo, de tal modo que a palavra assim nascida se torne mais do que palavra, e seja para nós realidade transformadora e viva.

Manoel criou vários neologismos. Mas um deles me afeta particularmente: o neologismo “celestar”. O poeta ensina que “poesia é celestar as coisas do chão”.

Celestar não é apenas contemplar o céu distante e transcendente, celestar é, antes de tudo,  abrir um céu no olhar , para assim transvermos  a realidade próxima onde estamos e vivemos. Talvez seja o mesmo que ensina Espinosa: “Olhar as coisas que acontecem no tempo sob a  perspectiva da eternidade.”

Celestar não é querer subir ao céu, e sim produzir linhas de fuga que nos restituam  horizontes que abram caminhos para nossos pés sobre a  terra , aqui e agora.

Celestar é um verbo-acontecimento que se conjuga em vários tempos e modos, no singular e no plural,  e nos ajuda a resistir e vencer  as estreitezas.

Quando criança, em noites estreladas eu gostava de me deitar no quintal de casa   e ficar olhando o  céu. Eu ficava horas  interrogando com o olhar o céu , só me levantando quando  minha mãe me chamava para jantar.

Eu imaginava que naquele infinito aberto deviam existir   incontáveis e diferentes planetas, e que em cada planeta  havia  também uma criança  olhando e interrogando o céu.

Para cada criança dessas, no céu infinito que elas veem acima delas, é o  planeta terra que se encontra  no céu. Sob olhares cósmicos, tudo é parte do céu, até o nosso planeta  terra  no qual está o  chão do meu quintal.

Dessa experiência poético-filosófica na infância me  nasceram  duas certezas: não vamos para o céu depois que morremos, pois é enquanto vivemos que fazemos parte do céu; se tudo é céu, não existe inferno, a não ser dentro do coração dos maus.

 

 

 ( este livro é apenas uma sugestão de leitura)










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