Além de poeta, Manoel de Barros é um
grande pensador, um dos maiores que já
tivemos.
Às vezes um pensador cria uma ideia
nova sem que exista ainda na língua uma palavra que corresponda a essa ideia
nova. A ideia assim criada é como uma alma nova para a qual ainda não nasceu o
corpo que possa abrigá-la.
Quando isso acontece , o poeta sente
a necessidade de criar uma palavra nova para ser o corpo da ideia que lhe nasceu.
O poeta cria então um neologismo.
Essa palavra significa: “novo logos”. Em
grego , “logos” tem por sentido tanto palavra quanto pensamento.
Assim, o neologismo em Manoel não é
apenas uma palavra nova, o neologismo é uma alma nova que nasceu no poeta, alma
que ele parteja dando a ela um corpo, de tal modo que a palavra assim nascida se
torne mais do que palavra, e seja para nós realidade transformadora e viva.
Manoel criou vários neologismos. Mas
um deles me afeta particularmente: o neologismo “celestar”. O poeta ensina que
“poesia é celestar as coisas do chão”.
Celestar não é apenas contemplar o
céu distante e transcendente, celestar é, antes de tudo, abrir um céu no olhar , para assim transvermos
a realidade próxima onde estamos e
vivemos. Talvez seja o mesmo que ensina Espinosa: “Olhar as coisas que
acontecem no tempo sob a perspectiva da
eternidade.”
Celestar não é querer subir ao céu, e
sim produzir linhas de fuga que nos restituam
horizontes que abram caminhos para nossos pés sobre a terra , aqui e agora.
Celestar é um verbo-acontecimento que
se conjuga em vários tempos e modos, no singular e no plural, e nos ajuda a resistir e vencer as estreitezas.
Quando criança, em noites estreladas
eu gostava de me deitar no quintal de casa e ficar olhando o céu. Eu ficava horas interrogando com o olhar o céu , só me
levantando quando minha mãe me chamava
para jantar.
Eu imaginava que naquele infinito
aberto deviam existir incontáveis e
diferentes planetas, e que em cada planeta
havia também uma criança olhando e interrogando o céu.
Para cada criança dessas, no céu infinito
que elas veem acima delas, é o planeta
terra que se encontra no céu. Sob
olhares cósmicos, tudo é parte do céu, até o nosso planeta terra no
qual está o chão do meu quintal.
Dessa experiência poético-filosófica na
infância me nasceram duas certezas: não vamos para o céu depois que
morremos, pois é enquanto vivemos que fazemos parte do céu; se tudo é céu, não
existe inferno, a não ser dentro do coração dos maus.
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