segunda-feira, 20 de março de 2023

o céu de Espinosa

 

Certa vez, eu estava explicando para uma turma um poema de Fernando Pessoa. Era uma turma muito simpática e atenciosa, que sempre pedia para eu tocar nesses temas poéticos-filosóficos , apesar de não caírem na prova...rs...

Quando terminei a narrativa, uma aluna  perguntou de repente  : “Professor, qual seu signo?” Quando respondi “touro”, ela ficou incrédula, e disse com humor : “professor, você não pode ser touro, os professores de touro gostam de ensinar apenas coisas utilitaristas sem poesia ...rs...”

Então, ela me pediu a data e hora do meu nascimento, incluindo os minutos,  ela queria fazer meu “mapa astral”. Como eu sabia esses detalhes,  passei a informação para ela. Na aula seguinte, ela entrou sorridente na sala e disse: “Sabia que havia alguma coisa diferente, você  é assim por causa de seu ascendente: Aquário!”

Em homenagem àquela turma simpática  ( e a todos que , presencial ou virtualmente, apoiam meu trabalho), elaborei um pequeno “horóscopo filosófico”, no qual o céu sob o qual nascemos expressa a atmosfera que irradia de  determinado filósofo .

Àquela época, eu morava perto de uma pracinha. De minha janela via as mães com seus filhinhos nos carrinhos de bebê. Deitados dentro dos carrinhos, os bebês ficavam o tempo todo  olhando para o céu. Pensei comigo: “se tudo nos influencia, ainda mais quando somos crianças, deve haver uma profunda influência dessa  primeira imagem do céu na alma e personalidade dos bebês”.

Assim, os que nasceram no verão veem um céu com  um sol intenso. Os bebês que trouxerem  esse sol para dentro deles se tornarão pensadores-artistas . Chamei esse céu de CÉU DE NIETZSCHE.

Os que nasceram no inverno, ao contrário, veem um céu cinza, e assim terão que buscar  criar um sol dentro de si . Os que nascem sob esse céu tenderão a ser mais introspectivos, buscando mais a “luz interior” . Chamei esse céu de CÉU DE SCHOPENHAUER.

Os que nasceram sob o céu da primavera veem um sol que é como uma grande semente que faz tudo germinar. Os que plantarem  dentro de si esse sol-semente   tenderão a ter uma crença inabalável na vida, acreditando que a vida pode de novo sempre brotar, apesar do deserto. Chamei esse céu de CÉU DE EPICURO.

Enfim, os que nasceram no outono veem um céu de um azul profundo porém transparente, onde o sol brilha vivamente mas sem ofuscar, um sol como parte do infinito sempre aberto para voos emancipatórios: “Eu tentei me horizontar  às andorinhas” (Manoel de Barros). Os que nasceram sob esse sol e céu , se aprenderem com esse sol e céu a se horizontarem, crescerão filósofos. Chamei esse céu de CÉU DE ESPINOSA.

Hoje começa o outono. Que a gente consiga   criar uma abertura na mente e no coração para que possam entrar a luz e o azul desse  “Céu de Espinosa”, e que a perseverança do pensar libertário desse filósofo  nos inspire e fortaleça diante de toda forma de treva.


(Imagem: “Outono”/ Monet)



 

 

Obs: Nesse “horóscopo-brincativo” ( “brincatividade” é ideia criada pelo poeta Manoel de Barros) poderíamos colocar outros filósofos ainda ao lado desses que mencionei para cada estação poético-existencial. Lucrécio e Sêneca, por exemplo, também são outono; Sartre é verão; Epicteto e Bergson, primavera; e Cioran, inverno.




 

Um comentário:

cauepizindim disse...

Porque hoje é o dia de Calíope...

OLHOS NEGROS PROFUNDOS
(robertomarques)
21.03.2023

Tanto brilha a minha estrela !

Cedo o dia, a retina alumbra.
Sequer supõe o que na sombra exista .

Se tarda a noite,
Quero vê-la.
Torna, Sol!
Vai-te, penumbra!
Quero as cores, não insista.

A luz apenas,
pode conhecer a face exposta
de corpo celeste, ou de quem
a ela voltada, se ponha.

Assim, reposta
volta a luz refletida
que,  pela superfície do corpo opaco,
não pôde ser absorvida.
Para mostrar,
à estrela querida:

Atenta,
que teu brilho encontrou alguém.

Entretanto,
na sombra do corpo denso,
aguarda o giro, impaciente,
algum olhar intenso,
mirando o manso manto
da lua branca prateada.

Triste engano !
São olhares que não se encontram.
Tal é a história contada
na trama do desengano...

O olhar aguarda um tempo
em que estará diante
da estrela
que também
não pode mesmo me ver...

Gira o mundo,
gira ano.

Por que esse brilho que aos olhos cegam?
Por que não se deixar contemplar?
Somente,
da estrela distante,
a luz azul pude olhar...
Será?

Porém,
olhos irresignados,
à frustração confrontam.
Com certeza,
todo dia
a estrela vai aquecer
a alma que com ela sonha.
E isso é bem mais do que nada...

Ah...
Quanta fatalidade !
A luz, numa escapada
encontra um negro buraco...

Olhos negros
que tudo sorvem
em sua profundidade.

E a luz da estrela sucumbe, por outro olhar enamorada.