domingo, 12 de março de 2023

esquerda e direita

 

Certa vez , perguntaram ao filósofo Gilles Deleuze por qual razão ele nunca foi filiado a um partido, e aproveitaram  também para  indagá-lo  acerca do que é ser de esquerda.

O filósofo deu mais ou menos a seguinte resposta: antes de ser um posicionamento político-partidário, ser de esquerda expressa o modo como nos inserimos na existência.

A pessoa de direita parte, antes de tudo, do seu ego. Ela  vive no interior de um círculo no qual estão seus interesses, suas propriedades ( já  possuídas ou apenas desejadas), suas ambições, suas pretensões, suas opiniões...Mas também ocupam o círculo estreito do ego seus medos, seus ressentimentos , seus fantasmas, suas feridas mal curadas...

O homem de direita imagina que esse círculo estreito é o centro do mundo, de tal modo que tudo o que existe fora desse círculo, no espaço e no tempo, é para ele só “narrativa”. Daí seu desprezo pela ciência, pela história, pela sociologia e pela filosofia, e seu medo paranoico dos outros povos e suas maneiras diferentes de viver, medo esse traduzido na expressão “globalismo comunista”.

Pode parecer paradoxal, mas apenas seres que vivem num círculo existencial estreito adaptam-se a existirem  no interior de um rebanho ou massa. Pois rebanho não é um conjunto heterogêneo de singularidades, rebanho são indivíduos aprisionados a si mesmos e que se agregam em celas contíguas.

Ser existencialmente de esquerda, ao contrário, é partir daquilo que Espinosa chama de o Absolutamente Infinito. A percepção de esquerda se abre ao que não pode ser cercado ou contido, para   que a mente e o coração ligados a tal percepção permaneçam sempre abertos.

É a partir do infinito aberto que o ser existencialmente de esquerda  compreende que desse infinito  fazem parte o cosmos, o nosso planeta, as outras nações, o nosso país, a nossa cidade, o nosso bairro , o outro e, enfim, a sua pessoa.

Ser de esquerda é não se colocar como primeiro ou último numa concorrência, mas como parte singular  de realidades mais amplas e horizontadas (como ensina também  Manoel de Barros).

Ser de esquerda não é apenas compreender teoricamente isso, mas sobretudo agir a partir dessa percepção. E dessa percepção podem nascer  não apenas ações empáticas, solidárias, generosas , dignas , justas , corajosas e revolucionárias, pois dessa percepção também podem nascer poemas, músicas , artes e educação não menos revolucionárias.

 

(imagem: os filósofos Deleuze & Guattari e o livro que escreveram juntos)



 

 

Música de Piazzolla em homenagem à poeta revolucionária Violeta Parra:



 

9 comentários:

José Mário disse...

Fantástica a tua atualização da noção de esquerda e direita de Deleuze!
Parabéns!

José Mário Davila Neves

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Obrigado, José. Um fraterno abraço.

Luciana Lima Costa Diger disse...

Mentes revolucionárias libertam e mudam o mundo... Pessoas de esquerda a meu ver são as melhores, são mais humanistas...

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Abraços, Luciana.

Maria Ferreira disse...

Que maravilhoso ! Obrigada por nos oportunizar esse conhecimento. Abraço!

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Abraços, Maria Ferreira.

Argemiro Garcia disse...

Interessante. Costumo me questionar o tempo todo sobre o que seria esquerda ou direita e como me posiciono em relação a essa dicotomia. Já conhecia, com outras palavras, essas definições e acho ela muito ufanista, puxando a brasa para a sardinha da esquerda. Mesmo assim, não consigo ver de outra maneira. No entanto, penso que é preciso inverter a lógica desse texto: são as pessoas autocentradas que se agrupam na direita e são as pessoas universalistas que acabam se posicionando, ou sendo identificadas, como esquerda. Não somos nós, esquerdistas, que somos universalistas; somos nós, os universalistas, que estamos postos na esquerda - e o mesmo vale para a direita. Parece óbvio, parece até besteira mas, pensem nisso.

Elton Luiz Leite de Souza disse...

Como é dito no início, o texto é de filosofia, e não restritamente de teoria política ( no sentido da política representativa). Deleuze apoia sua argumentação em bases ontológicas, sobretudo. O termo "universalista" corre o risco de se tornar abstrato . É mais de acordo com o que defende Deleuze a ideia de singularidade , conexão e agenciamento.

Eugenio Lacerda disse...

Não por acaso Foucault disse que um dia o século seria deleuziano... Agora, eu prefiro expressar "estar à esquerda", ou "à direita", em lugar do "de ser de esquerda ou de direita". Seria bom atualizar, sempre. Conheço egos de esquerda, tambem, afinal todos temos ego. Há liberais progressistas e há populistas de esquerda. Todos somos conservadores quando defendemos nossas utopias. Os termos esquerda e direita estão hoje nos oceano da bipolaridade negativa e da biopolitica. Estou como Diogenes, a procura de um democrata autêntico. Eugênio Lacerda, Antropólogo, em 21.09.23.