Nietzsche nos fala de
três metamorfoses : a do burro ( ou “camelo”), a do leão e a da criança.
O burro é aquele que diz
“sim” ao que está dado: ele aceita, passivamente, os valores estabelecidos. Sua
forma de aceitação é “dar as costas” para carregar. É assim que o burro se
sente “útil” : carregando o peso que em suas costas colocaram.
Todos nascemos mais ou
menos burros, pois carregamos , desde a infância , os valores de um mundo que
já achamos pronto, dado.
Quando o poder diz que só se deve ensinar às crianças
tabuada e gramática, e nada de artes e filosofia, o que ele quer é manter
submissos seus carregadores também no futuro. Mas todos os valores que um burro
carrega levam apenas a um lugar: o deserto infértil.
O leão pode nascer do
burro quando este sofre uma metamorfose, aprendendo a dizer “Não”. Ninguém sobe
no dorso de um leão: ele vê em tudo uma
jaula onde querem prendê-lo. O leão é ferozmente
crítico e cético, imaginando que ser
potente é negar . O leão pode mais do que o burro, porém
é incapaz de criar , pois para criar é preciso crer. E o leão em nada
crê. O leão imagina que crer é ser como o burro que ele já foi.
Do leão pode surgir nova
metamorfose: a criança, aquela que
redescobre a força do “Sim”. Pois o Sim da criança não é como o sim
alienado do burro. O Sim da criança
sobreviveu ao não do leão, o incorporou como crítica, porém vai além dele,
tornando-se afirmação de uma potência
criativa . A criança não carrega, como o burro; nem ruge e ameaça, como o leão.
Ela libertou-se de todo peso, corre e dança, e há nela uma força mais poderosa
que a dos dentes e garras.
O burro é refém dos
valores do presente que o esmaga e
aliena; já o leão nasceu quando este presente virou passado que o leão não quer
mais que se repita. Mas a criança é , ao mesmo tempo, metamorfose no presente e
libertação do passado em razão de uma
crença ativa no futuro , uma
“linha de fuga”, como criação de novas possibilidades para a vida, a despeito
das forças reativas que ameaçam retê-la.
Algumas traduções se referem a essa
terceira metamorfose como a do “Super-Homem”. Contudo, “Super-Homem” é uma tradução inadequada para o que Nietzsche
chama ( em alemão) de “übermensch”.
“Übermensch” não é o homem ainda mais
forte , empoderado. Pois “über” tem o sentido daquilo que está “acima” ou
“além”.
Mas não acima como o teto está
acima ou além do chão , ou o céu acima e além da terra. O “acima-além” que “über” expressa
é como a borboleta que põe-se acima da lagarta, indo além desta em potência
transmutadora : como realidade nova expressando
uma metamorfose enquanto (auto)superação criada.
Assim, a melhor tradução para
“übermensch” é “Além-do-homem” (inclusive do homem enquanto “Padrão-Patriarcal-Falocrático”)
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