quarta-feira, 8 de março de 2023

ao Dia Internacional de Luta das Mulheres

 

Nietzsche nos fala de três metamorfoses : a do burro ( ou “camelo”), a do leão e a da criança.

O burro é aquele que diz “sim” ao que está dado: ele aceita, passivamente, os valores estabelecidos. Sua forma de aceitação é “dar as costas” para carregar. É assim que o burro se sente “útil” : carregando o peso que em suas costas colocaram.

Todos nascemos mais ou menos burros, pois carregamos , desde a infância , os valores de um mundo que já achamos pronto, dado.

Quando o poder  diz que só se deve ensinar às crianças tabuada e gramática, e nada de artes e filosofia, o que ele quer é manter submissos seus carregadores também no futuro. Mas todos os valores que um burro carrega levam apenas a um lugar: o deserto infértil. 

O leão pode nascer do burro quando este sofre uma metamorfose, aprendendo a dizer “Não”. Ninguém sobe no dorso de um leão: ele  vê em tudo uma jaula onde querem prendê-lo.  O leão  é ferozmente  crítico e cético, imaginando que ser  potente é negar . O leão pode mais do que o burro,  porém  é incapaz de criar , pois para criar é preciso crer. E o leão em nada crê.  O leão imagina que  crer é ser como o burro que ele já foi.

Do leão pode surgir nova metamorfose:   a criança, aquela que redescobre a força do “Sim”. Pois o Sim da criança não é como o sim alienado  do burro. O Sim da criança sobreviveu ao não do leão, o incorporou como crítica, porém vai além dele, tornando-se afirmação de uma  potência criativa . A criança não carrega, como o burro; nem ruge e ameaça, como o leão. Ela libertou-se de todo peso, corre e dança, e há nela uma força mais poderosa que a dos dentes e garras.

O burro é refém dos valores do  presente que o esmaga e aliena; já o leão nasceu quando este presente virou passado que o leão não quer mais que se repita. Mas a criança é , ao mesmo tempo, metamorfose no presente e libertação do passado em razão de uma  crença ativa  no futuro , uma “linha de fuga”, como criação de novas possibilidades para a vida, a despeito das forças reativas que ameaçam retê-la.

 

Algumas traduções se referem a essa terceira metamorfose como  a  do  “Super-Homem”. Contudo, “Super-Homem”  é uma tradução inadequada para o que Nietzsche chama ( em alemão) de “übermensch”.

“Übermensch” não é o homem ainda mais forte , empoderado. Pois “über” tem o sentido daquilo que está “acima” ou “além”.

Mas não acima como o teto está acima  ou além do chão , ou o  céu acima e além  da terra. O “acima-além” que “über” expressa é como a borboleta que põe-se acima da lagarta, indo além desta em potência transmutadora  : como realidade nova expressando uma metamorfose enquanto  (auto)superação  criada.

Assim, a melhor tradução para “übermensch” é “Além-do-homem”  (inclusive do homem  enquanto “Padrão-Patriarcal-Falocrático”)


 



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