Como professor de filosofia,
gosto de trabalhar também com outras
áreas e públicos. Porém, não é raro eu ouvir o seguinte comentário de quem é de
uma área técnica: “Filosofia nada tem a ver com nossa área” , e assim insinuam que
seria perda de tempo ensinar filosofia
aos alunos das “faculdades técnicas” ( e
do ensino médio “profissionalizante” a serviço
do mercado).
Sêneca[1]
dizia que nenhuma prática humana é meramente técnica. Pois aquilo que as mãos
fazem tecnicamente depende da vontade
que as guia. E a vontade se liga ao
caráter ( “éthos”), que por sua vez está relacionado ao modo como nos inserimos
na realidade social.
Do ponto de vista técnico, um
revólver opera da mesma maneira na mão de um bandido ou na mão daquele que deve
zelar pelas regras da justiça. Um revólver não sabe a diferença entre bom
e mau,
justo e injusto. Supor que uma
prática humana é meramente técnica , é imaginar que ela possa ser feita
independentemente de valores sociais e éticos.
A gramática é uma técnica a serviço
da escrita enquanto expressão humana. Mas não é a gramática que tem o que
dizer, quem tem o que dizer é quem se serve da gramática para escrever.
Supor que as faculdades “técnicas” e
o ensino médio não precisam da filosofia ( bem como da sociologia e das artes) , significa dizer que
tais ensinos técnicos têm a pretensão de
serem “neutros”, ou seja, indiferentes à
realidade humana , social e planetária.
Desde a época de Sócrates, retirar
dos jovens o contato com a filosofia sempre foi o projeto de tiranos . Não por
acaso, excluir a filosofia e a sociologia do ensino médio, impondo
à força o ensino técnico-militar, é o projeto acefalizante dos tiranos de hoje.
O educador Paulo Freire fazia uma
distinção entre a autêntica educação e o
mero “ensino bancário”.
A educação autêntica alfabetiza não
apenas na leitura de textos e livros, ela visa alfabetizar , antes de tudo, na
leitura crítica e criativa do mundo. Já na educação bancária a informação é “depositada” pelo “tutor” no aluno como se
este fosse uma conta que precisa dar lucro. É um modelo quantitativista,
tecnocrata e mercadológico do conhecimento, no qual o aluno é tratado como
coisa e número, não como agente pensante .
Nietzsche dizia que por trás do “que”
há sempre um “quem” ( por mais que esse “quem” tente se dissimular usando como biombo a “neutralidade
técnica”). Assim, a quem interessa a
retirada da filosofia, da sociologia e das artes na formação dos alunos?
Os computadores e a tecnologia nos
mostram que a inteligência pode ser artificial ( como no Chat GPT), porém
somente a filosofia pode nos ensinar que pensar é uma potência natural que
precisa ser descoberta e desenvolvida, uma potência ao mesmo tempo ética ,
política e existencial.
Inteligência e pensamento não são a
mesma coisa, assim como não são o mesmo ensino e educação.
[1]
Sêneca, Cartas a Lucílio, “Carta 95”.
http://www.filosofianaescola.com.br/2012/01/existencialismo-trecho-do-filme-waking.html
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