quinta-feira, 16 de março de 2023

o ensino da filosofia

 

Como professor de filosofia, gosto  de trabalhar também com outras áreas e públicos. Porém, não é raro eu ouvir o seguinte comentário de quem é de uma área técnica: “Filosofia nada tem a ver com nossa área” , e assim insinuam que seria  perda de tempo ensinar filosofia aos alunos das  “faculdades técnicas” ( e do ensino médio “profissionalizante” a serviço  do mercado).

Sêneca[1] dizia que nenhuma prática humana é meramente técnica. Pois aquilo que as mãos fazem  tecnicamente depende da vontade que as guia. E a vontade se liga  ao caráter ( “éthos”), que por sua vez está relacionado ao modo como nos inserimos na realidade social.

Do ponto de vista técnico, um revólver opera da mesma maneira na mão de um bandido ou na mão daquele que deve zelar pelas regras da justiça. Um revólver não sabe a diferença entre bom e  mau,  justo e  injusto. Supor que uma prática humana é meramente técnica , é imaginar que ela possa ser feita independentemente de valores sociais e éticos.

A gramática é uma técnica a serviço da escrita enquanto expressão humana. Mas não é a gramática que tem o que dizer, quem tem o que dizer é quem se serve da gramática para escrever.

Supor que as faculdades “técnicas” e o ensino médio não precisam da filosofia ( bem como  da sociologia e das artes) , significa dizer que tais ensinos técnicos têm  a pretensão de serem  “neutros”, ou seja, indiferentes à realidade humana , social e planetária.

Desde a época de Sócrates, retirar dos jovens o contato com a filosofia sempre foi o projeto de tiranos . Não por acaso,  excluir  a filosofia e a sociologia do ensino médio, impondo à força o ensino técnico-militar, é o  projeto acefalizante dos tiranos de hoje.

O educador Paulo Freire fazia uma distinção entre a autêntica educação e  o mero “ensino bancário”.

A educação autêntica alfabetiza não apenas na leitura de textos e livros, ela visa alfabetizar , antes de tudo, na leitura crítica e criativa do mundo. Já na educação bancária  a informação  é “depositada” pelo “tutor” no aluno como se este fosse uma conta que precisa dar lucro. É um modelo quantitativista, tecnocrata e mercadológico do conhecimento, no qual o aluno é tratado como coisa e número, não como agente pensante .

Nietzsche dizia que por trás do “que” há sempre um “quem” ( por mais que esse “quem”  tente se dissimular usando como biombo a “neutralidade  técnica”). Assim, a quem interessa a retirada da filosofia, da sociologia e das artes na formação dos alunos?

Os computadores e a tecnologia nos mostram que a inteligência pode ser artificial ( como no Chat GPT), porém somente a filosofia pode nos ensinar que pensar é uma potência natural que precisa ser descoberta e desenvolvida, uma potência ao mesmo tempo ética , política  e existencial.

Inteligência e pensamento não são a mesma coisa, assim como não são o mesmo ensino e educação.

 

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