Esta história se encontra em La Fontaine (
que aqui interpreto): Eros, o Amor, entrou em conflito com Atena, a Razão (
nessa história, Atena é identificada à Razão que apenas conta,mede e calcula). Eles
brigaram porque , ao decidirem andar juntos, Atena só dava um passo adiante ao ver, antes , o caminho; já o Amor gostava de ir por onde não havia
trilhas: se à frente havia um abismo, Eros
abria suas asas e o atravessava , confiando em sua força alada. Atena, sempre com
os pés no chão, não aprovava esses
ímpetos e voos. Desentendidos, a Razão e o Amor brigaram...
Os deuses do Olimpo ficaram do lado de Atena. Como punição, Eros foi
privado de ver a Luz do Olimpo, tornando-se cego. A luz do Olimpo era como um sol
a iluminar o mundo visível onde vivem os homens com suas opiniões e certezas.
Afrodite interveio e pediu a Zeus que fosse
dado a Eros ao menos uma bengala para ele poder caminhar. Zeus assim respondeu
: “É indigno ao Amor viver apoiado em bengalas e outros tipos de amparo que não sejam suas próprias pernas e asas.”
Dinheiro, posses, dogmas, poder, segurança...Se o Amor se sustentar nessas
coisas, atrofiam suas asas.
Zeus não mandou, portanto, uma bengala para o Amor, e sim um guia: a “Loucura” . Os gregos chamavam de “Mania”,
ou “Loucura Divina”, essa Loucura que guia o Amor. Embora cego, o Amor passou a
ver a partir do coração, pois foi no coração do Amor que a Loucura Divina se
instalou.
Essa
Loucura deu ainda mais coragem a Eros para abrir suas asas ( “coragem”: “ação que vem do
coração”). Pois essa “Loucura”
não é uma enfermidade mental negadora da Razão; ao contrário, ela é uma força transmutadora que guia o Amor a achar caminhos que a própria luz da Razão não consegue encontrar sozinha. É
essa mesma “Loucura” não resignada que
guia tanto o poeta como , no
campo pedagógico-político, o libertário. Quem ama o que faz e age, precisa de
coragem assim.
O poeta
Manoel de Barros assim chama essa “Loucura”: “delírio ôntico” . Em
grego, “on” é “ser”. Enquanto o delírio mórbido, delírio por poder, é negação da vida e da multiplicidade do ser, o
delírio ôntico, delírio poético, é afirmação e criação de novos sentidos para as mil possibilidades diferentes
que há nos seres.
“Se uma pessoa fizesse apenas o que entende,
jamais avançaria um passo.”(Clarice Lispector)
( este livro é apenas uma sugestão de leitura)
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