Segundo Deleuze, há livros que “sugam” nosso olhar para dentro deles,
tornando nossos olhos meros apêndices da visão de mundo deles. São livros que deixam nosso
olhar muito teórico , porém sem sensibilidade política e crítica para “ler” a realidade concreta que nos cerca.
Os livros mais necessários, ao
contrário, são aqueles que nos conectam com a realidade : eles
nos situam ativamente no aqui e agora , porém sem nos fazer perder de vista os horizontes, as aberturas. Livros
assim nos ajudam a agir sobre o mundo, mais do que apenas teorizá-lo.
Assim são os livros de Espinosa. É desse
filósofo que vem a ideia de “indignação”
que aqui interpreto. A indignação é um afeto que une os justos para que,
juntos, multipliquem a potência de cada um na resistência e luta contra as tiranias.
O ódio e a violência vivem de
derramar sangue. Na mitologia , as Fúrias , Deusas
do Ódio e da Vingança, nasceram do sangue derramado ; por isso, elas têm sede para derramar mais sangue em troca,
servindo assim à destruição e à morte.
Já a indignação intensifica o
circular do sangue nas nossas
veias, sangue que oxigena de coragem a
vida. É por isso que a indignação nos leva às ruas, pois as ruas são as veias
da vida coletiva : o oxigênio que transportam é a liberdade, sem o qual a sociedade sufoca.
O motor da indignação é o amor à
dignidade, o apreço pela vida digna. Não apenas a vida digna individual , sobretudo a vida
digna coletiva. “Dignidade” vem de “dignus”:“nobre”. O contrário de nobre é
“vil” , “vileza”.
A autêntica nobreza não é ter posses ou propriedades , mas agir para tornar a vida nobre. Essa nobreza da dignidade
foi poetizada por um homem do povo chamado Angenor.
Assim conta a história: quando
trabalhava como operário numa obra, Angenor colocava sobre a cabeça um chapéu muito
simples e surrado, para assim proteger-se. Porém, o modo digno como ele punha o chapéu e seu
estilo nobre , levavam seus companheiros
de obra a dizerem : “Acorda, Angenor!
Isso é um chapéu de operário, não é uma cartola!” E foi assim que, do Angenor sonhador, nasceu o poeta
Cartola : a nobreza vinha de seu ser, corpo e alma , não de
posses.
Indignação é afeto que une os justos
na defesa da vida digna e nobre. Enfim,
nobre é tudo aquilo que potencializa a vida , como a educação, a arte e o
conhecimento; e nobre também é sua defesa, sobretudo quando nos ameaça o
fascismo e sua vileza.
Nietzsche dizia: “Só podemos destruir
sendo criadores”. A indignação é arma coletiva para destruir tiranias, pois a
move o desejo de construir democracia, isto é, vida plural e digna.
- Na foto, as forças ditatoriais do AI5 ameaçando o poeta Cartola:
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