domingo, 11 de julho de 2021

a busca pelo tesouro...

 

Era a primeira vez que o menino vinha à minha casa. Ele tinha 8 anos. Diziam que ele não gostava de ler. Ele estava contrariado por estar ali comigo, e não escondia isso.

Até que eu lhe disse: “Você sabia que eu tenho um tesouro aqui em casa?” Ele me olhou de “rabo de olho”, desconfiado. Mas a simples possibilidade de eu ter um tesouro já melhorou seu olhar sobre mim. Ele perguntou: “Cadê?”. “Está lá dentro”, respondi. Segurei ele pela mão e o levei até ao cômodo onde estavam meus livros. Revelei: “Aqui está meu tesouro...” Ele vasculhou o cômodo com os olhos, deu de ombros e , desapontado, falou: “Não estou vendo!” Apontei para a estante : “Meu tesouro tem a ver com os livros...” Ele torceu o nariz , preparando-se  para  fugir  dali  e de mim.

Então, o segurei pelo braço com cuidado e revelei com  voz baixa o meu segredo: “ O tesouro está numa caverna escondida  atrás da estante dos livros...” Pela primeira vez, ele me olhou sorrindo. Se eu tinha um tesouro escondido , eu não podia ser um adulto chato, o olhar dele parecia me dizer isso. “Mas como se faz pra chegar lá?”, indagou com curiosidade de criança que recebeu um brinquedo que ainda não sabe  como brincar. Ensinei: “Você tem que puxar o livro certo da estante: puxando o livro certo, a entrada da caverna fica visível e se abre...”

Ele correu e puxou um livro imenso e pesado...Era um calhamaço : “Obras Completas de Aristóteles”. Falei para ele que  aquele sisudo livro não abria para cavernas secretas. Ele riu. Depois, pegou outro tijolaço: a “Crítica da Razão Pura”, de Kant. Ele  riu novamente, já adivinhando minha resposta.

Até que ele se soltou e compreendeu que aquilo era uma brincadeira, um exercício de “peraltagem”, uma “caça ao tesouro” cuja aventura estava em procurar a entrada da caverna secreta, mais do que em achá-la.

 A  mãe dele chegou e ficou surpresa em ver o filho brincando com livros, ele que só brincava com coisas de teclar. Aproveitei para dizer a   ele: “Entendo porque você quer tanto achar a caverna secreta com o tesouro. Quando eu tinha sua idade, descobri uma  caverna assim. Quando o mundo aqui de fora está feio e triste, retorno à caverna para recuperar as forças. Existem várias entradas para a caverna, uma das melhores é esta aqui...”. Peguei na estante uma versão infantil de “Moby Dick”.

Quando coloquei o livro na mão dele, o menino  olhou a capa e, admirado,   gritou: “Uma baleia! Ela é má?”  Respondi: “Ela só é má com os maus...De você ela vai  gostar, garanto. Ela  vai  oferecer  o dorso dela para você  subir e viajar com ela   por mares nunca vistos, mares  que você vai adorar conhecer...”

Naquela mesma noite, aquele que seria meu enteado  dormiu abraçado com o livro, que  se tornou a entrada  para ele descobrir a caverna do tesouro que estava escondida dentro dele mesmo.




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