O filme “Cidadão Kane”, considerado o
melhor filme de todos os tempos, inicia-se com a seguinte cena: um homem
envelhecido está deitado numa imensa cama , porém sozinho. O quarto é amplo e luxuoso , mas não há ninguém ao seu lado,
parentes ou amigos. Há apenas uma enfermeira ao longe aguardando que aconteça o
que está prestes a acontecer : a morte daquele homem . Ele segura com a mão uma
pequena esfera de cristal, imagem simbólica de sua alma-mônada. No interior da
esfera vemos uma paisagem com uma casa simples
toda coberta de neve. De repente, ele arranja forças e pronuncia sua
última palavra em vida : “Rosebud” (
“botão de rosa”, da rosa se abrindo). Após isso , o homem deixa cair a
esfera de cristal, que vai ao chão e se quebra.
Um jornalista quer saber quais foram as últimas palavras dele. Quem
informa é a enfermeira: “O Srº Kane apenas disse: Rosebud”. Esse jornalista
resolve investigar quem foi “Rosebud”,
imagina ser o apelido de alguém marcante
afetivamente para Kane. Assim, a narrativa mergulha no passado daquele
homem biliardário, considerado o
“dono do mundo” .
A primeira cena que surge é
uma paisagem toda coberta de neve, como aquela aprisionada no interior da mônada de cristal. Mas agora a paisagem está
livre , é parte do mundo real. E vemos
um garotinho com seu pequeno trenó. Um
trenó artesanal e simples, porém valioso para o menino em seu brincar inocente
e lúdico, como se de nada mais precisasse. Perto dali, da janela de um casebre
modesto uma senhora chama: “Kane!”. Era a mãe do menino , aquele que se tornará
o poderoso , invejado e temido Cidadão Kane. No interior do casebre também
estava um endinheirado banqueiro. Na pequena mina da família foi
descoberta uma imensa jazida de ouro. O
banqueiro se oferecia para gerenciar o
ouro e a educação do menino, prometendo
lucros, poder, prosperidade. Embora o
menino resistisse golpeando com o trenó
o capitalista-banqueiro, a mãe é convencida a entregar o filho para ser criado
pelo homem do dinheiro. Então , o menino
cresceu nesse ambiente onde tudo parece ter seu preço : coisas,
afetos, homens.
Durante a história, o jornalista entrevista
ex-namoradas e ex-esposas de Kane
, porém nenhuma é ou sabe quem foi
“Rosebud”. Desistindo da procura, o jornalista conclui ser “Rosebud” um
mistério que morreu com seu dono. Embora rico, Kane deixou
dívidas imensas. Os executores dessas dívidas fizeram um inventário no castelo de Kane para separar
o que tinha valor do que não tinha. O que não tinha valor era lançado numa
fogueira . Eles encontraram aquele antigo trenó do menino Kane, guardado como se fosse um tesouro . Não
compreendendo tanto cuidado com um
brinquedo velho e barato, deram de
ombros e disseram: “Isso não vale nada, joga no fogo!”. Quando caiu no fogo e começou a ser devorado
pelas chamas, o lado de baixo do
trenó ficou visível, e nele estava
bordada a seguinte palavra: “Rosebud”.
- Revi este filme ontem, e fica a dica para quem ainda não o viu ou pensa em rever. Creio que mesmo para quem ainda não assistiu ao filme, o relato que fiz não tira a grande descoberta que é ver diretamente a narrativa, cuja força está nas imagens, direção e edição de Orson Welles. Nenhuma interpretação em palavras desse grande filme consegue esgotar os vários sentidos latentes da obra. Além disso, é um dos maiores filmes sobre o tempo, a “imagem-tempo” ( como diz Deleuze ao escrever sobre o filme). E mesmo quem já o assistiu, sem dúvida pode ter uma interpretação diferente da que tive, já que o filme é uma “Obra Aberta”, sobretudo o final.
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