Às vezes, uma mesma realidade pode
ter sentidos simbólicos diferentes e até mesmo opostos. Por exemplo, o fogo. Quando é fonte
de luz, tal como se vê no sol, o fogo é símbolo de uma força cósmica que traz
vida e desfaz as trevas, tanto as trevas de fora como as de dentro do homem
( chamadas por Jung de “sombras”). Em Platão, por exemplo, o fogo
do sol é o símbolo do espírito, gema irradiante da alma. Quando é empregado
para transformar a natureza, seja cozinhando o alimento ou como chama metalúrgica que fabrica ferramentas, o fogo é o símbolo da
inteligência, isto é, da ciência. Na mitologia, Prometeu ofertou esse fogo-inteligência ao homem, porém faltou ao homem iluminar-se
por dentro com a luz do sol-espírito. Pois com o fogo recebido o homem fabricou
não apenas ferramentas, fabricou também destruidoras armas que logo se tornaram instrumentos a
serviço das sombras internas do homem. E
aqui vem a terceira simbologia do fogo: quando é empregado para destruir a
natureza ou ao outro homem. Esse fogo-destruidor é o símbolo da ignorância: fogo que ameaça o espírito e nega a ciência. Segundo o poeta Goethe, a fonte desse fogo-destruidor
não é o sol que brilha no céu, a fonte do
fogo-destruidor é o mundo subterrâneo onde reina Mefistófeles e sua lúgubre fogueira. Uma das materializações desse fogo-destruidor é
a “arma de fogo”, hoje transformada em objeto de culto dos fascistas-milicianos.
Somente em um caso o fogo cósmico também destrói, porém destrói para construir. Trata-se do fogo cuja luz também é escultora, pintora, compositora, enfim,
artista. Esse fogo-artista foi pensado e
descrito por Heráclito em suas intuições
filosóficas expressas como poesia. Esse fogo-artista não está apenas no sol, ele
também está na infinita e variada luz das estrelas. Ele também vive na luz misteriosa da lua. Heráclito dizia que esse
infinito fogo-artista , potência cósmica inapagável, a tudo constrói, porém também destrói para
depois construir de novo, eternamente: sem culpa , maldade ou ressentimento, o fogo-artista é o Eterno Retorno de uma Vida Inesgotável e Infinita. Seu destruir não é ódio, assemelha-se
mais ao brincar inocente da criança que , à beira da praia, brinca de construir
e dar forma à areia, para logo depois destruir o que se enrijeceu , para reinventar a vida de outra maneira.
“Só podemos destruir sendo criadores”.
( Nietzsche)
“Nas fendas do insignificante ele
procura grãos de sol”. (Manoel de Barros)
(Imagem: “O ovo cósmico” / Salvador
Dalí)
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