quinta-feira, 8 de abril de 2021

o poder teológico-político

 

Uma das palavras com origem mais bonita é “contemplar”. Em grego, “templo” é : “casa onde habita o divino”. Assim, “con-templar” é : “entrar onde mora o divino”. Para os gregos, o divino se traduzia em muitas coisas, incluindo a própria natureza ( “physis”, cuja origem significa: “aquilo que brota”). Quando cobravam de Sócrates que ele nunca era visto nos templos da cidade como “todo homem de bem”, Sócrates dizia que o templo onde realmente o divino mora é o coração, e nesse templo Sócrates se dizia assíduo, para assim não ter a pretensão de se achar superior aos outros homens. Pois  aqueles nos quais o coração está vazio , dissimulam construindo   e frequentando templos de ouro ( para a construção dos quais sabem com lábia esperta sugar dinheiro dos ingenuamente  crédulos). Esses cultuadores  de templos de ouro,  muitos deles também juízes e advogados, por ressentimento , esperteza e vingança,  armaram contra Sócrates e o condenaram à morte. Viam nele um perigo... Havia também na Grécia um templo cujo altar ficava à porta, ninguém precisava no templo entrar. Era o templo ao “deus desconhecido” ( Nietzsche tem um belo poema exatamente com este título: “Ao deus desconhecido”). Em vez de estátuas ou imagens, no centro do altar havia um mármore com superfície espelhada, que mostrava refletido  o rosto de quem nele olhava. “O deus desconhecido”, dizia a frase abaixo do espelho,  “ou mora dentro de você ou não mora”. Para Espinosa, por sua vez, a natureza inteira é divina. É a imaginação delirante e as pretensões de poder que levam o negacionista a negar esse templo-infinito, colocando-se à parte da natureza, a tal ponto que  a destrói  com ódio ou a demoniza, a natureza fora e dentro do homem.  Espinosa deu um nome a essa forma de negacionismo: “poder teológico-político”, pois essa forma de negacionismo da natureza sempre busca o poder político, para assim se assenhorar  do Estado e suas fontes de poder , repressão, censura e dinheiro.


- poema de Solano Trindade: "Tem gente com fome".







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