Certa vez, um antropólogo
inglês entrou na oca de um índio e viu uma máquina de escrever pendurada na
parede da oca como se fosse um
"desutensílio", diria o poeta
Manoel de Barros. Isso aconteceu em 1950, época em que a máquina de
escrever era o símbolo técnico da cultura autointitulada “civilizada”. O
antropólogo nada perguntou ao índio, e retornou a Londres para tentar entender aquele ato
que subvertia o significado e uso costumeiros daquele objeto.
O antropólogo
consultou teses e tratados, porém nada encontrou na teoria que explicasse o gesto do índio. Até que , de repente, ele olhou para a parede
de sua biblioteca e viu um arco e flecha pendurados como objeto artístico...Então, o acadêmico compreendeu que aquilo que ele
fizera com o arco e flecha, o índio fez com a máquina de escrever... Graças ao
ato artístico-subversivo do índio, o antropólogo compreendeu mais acerca de seu
próprio “mundo civilizado” do que lhe ensinaram os livros científicos. O índio era o outro do branco, mas o branco
também era o outro do índio. Nem todos são brancos, nem todos são índios, mas
todos são outros: o outro é o valor mais universal. É esta universalidade da
Diferença o que o poder paranoico mais
teme, e é contra ela que ele sempre quer impor seu modo de viver homogêneo, “mesmal” ( como diz Manoel de
Barros).
O índio da narrativa nos ensina que talvez a arte comece no olhar,
um olhar que interroga e recria, também criticamente, o sentido de nós mesmos e
do mundo .
"Tenho em mim um sentimento de
aldeia e dos primórdios. Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens.
Não sei se isso é um gosto literário ou uma coisa genética. Procurei sempre
chegar ao criançamento das palavras. O conceito de Vanguarda Primitiva há de
ser virtude da minha fascinação pelo primitivo. Essa fascinação me levou a
conhecer melhor os índios”. (Manoel de Barros)
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