quinta-feira, 15 de abril de 2021

as poetas da tribo

 

Sempre que se pensa em mitologia, surgem os nomes de  Homero e Hesíodo. Mas esses poetas eram referências eruditas cultuadas pela aristocracia. Aliás, Homero e Hesíodo não criaram os mitos, eles apenas os relataram por escrito, e não foram os únicos a fazerem isso. Porém  o mito enquanto relato oral que dava sentido às práticas , quem mantinha os mitos assim vivos e imanentes à vida concreta  eram as mulheres. Mães, amas de leite ( equivalentes às  nossas “mães pretas”), poetas, educadoras...eram elas que , pela palavra falada ,inseriam o mito na vida, retirando o mito da alma e do corpo delas, como poesia que se vive e recria.  Essas mulheres não eram exatamente anônimas, elas eram “pessoas coletivas”. Esse termo, “pessoa coletiva”, é como o pensador indígena  Krenak se refere aos poetas da tribo. Mas um nome dessas “contadoras de história” é conhecido: Diotima, a sábia que Platão cita ao recontar um mito que ouvira da boca dela. Essas contadores de histórias também eram professoras, poetas , pensadoras, filósofas. E era com elas que a poesia se tornava a base efetiva da educação grega, a Paideia.

Quando o racionalismo falocrático triunfou na Grécia, houve uma perseguição à  poesia e à mitologia como base da Paideia. Mas a motivação  dessa perseguição também era política : reprimir e calar  o feminino, ou o devir-feminino,  enquanto produção de sentido não patriarcal e macho-centrado.

A Grécia também teve seus “Sultões”, como aquele que quis calar Sherazade. Mas Sherazade  não se calou e produziu sua “linha de fuga” poético-libertária ,e é nessa linha que também devemos segurar  para produzir agenciados a nossa liberdade, com pensamento, afeto, ação e poesia.


( imagem: capa do belo  livro “O amanhã não está à venda”/ de Krenak)



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