Certa vez, quando eu passava por um
momento muito difícil , sonhei que seria operado do coração. Angustiado, eu
pensava que não sobreviveria à operação. Não sei como fui parar ali, por quais
caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma operação e eu era o
paciente a ser operado. De repente, adentra a sala de cirurgia o cirurgião. Ao
vê-lo, meu medo desaparece, cheguei até a sorrir...Pois o médico que me
operaria era nada mais nada menos do que o poeta Fernando Pessoa! No princípio,
achei estranho . Mas depois percebi que fazia sentido ser um poeta o cirurgião
de um coração angustiado. Sem demora, o cirurgião-poeta abriu meu peito, mas
não com bisturi : não sangrou , nem houve dor. Ele enfiou uma das mãos, porém
não foi suficiente. Somente as duas mãos do poeta conseguiram tirar meu coração
do peito : "Ele está pesado como um paralelepípedo! Preciso extrair o que
lhe pesa”, diagnosticou o cirurgião-poeta. “O que lhe pesa não é coisa física,
o que lhe pesa é a mágoa com o passado, a decepção com o presente , o medo do
futuro e a descrença nos homens”, disse-me ele enquanto extraía tudo isso.
Quando olhei para a mão do poeta , meu coração estava minúsculo, parecendo uma
semente salva de um fruto que perecia. Protestei: “poeta, com esse coração
pequenino não vou sobreviver!” O cirurgião-poeta então respondeu, terminando
sua arte, sua “clínica”: “Ele está assim pequeno porque deixei apenas o coração
da criança.” Após ouvir isso acordei, e não apenas daquele sonho. Olhei pela
janela: já amanhecia . Queria registrar o sonho e me virei para procurar caneta e papel. Então, algo que estava sobre
meu peito caiu ao meu lado na cama, era um livro que adormeci lendo: “O Eu
Profundo e os outros Eus”, de Fernando Pessoa.
“Os delírios verbais me
terapeutam.”(Manoel de Barros)
( obs.: Segundo Espinosa, os
raciocínios são importantes, porém os raciocínios expressam apenas a potência
da mente. Quando se trata de vencer os afetos que despotencializam a vida,
tanto a vida individual quanto a vida coletiva, apenas raciocínios não
conseguem , pois os afetos não estão apenas na mente , eles estão também no corpo. Não apenas um indivíduo possui
corpo, também o possui a sociedade, o corpo social. E o corpo social também
adoece...Assim, somente um afeto é capaz de vencer outro afeto : somente um
afeto afirmador da vida , da vida pessoal e coletiva, é capaz de vencer o afeto
que enfraquece a vida , a nega e a põe
sob risco. Somente a alegria é capaz de vencer a tristeza, só o amor derrota o
ódio. O amor ao pensamento engendra a ação que não se curva à ignorância; a
alegria de querer viver é potência e antídoto contra os que nos querem mortos. Os
afetos também pertencem ao campo da ética e da política, com afetos também se
resiste e luta)
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